PUBLICIDADE

Morre o cientista político Gláucio Ary Dillon Soares

Um dos mais importantes pesquisadores da ditadura militar no Brasil, acadêmico foi mais uma vítima da covid

PUBLICIDADE

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

O cientista político Gláucio Ary Dillon Soares morreu, nesta segunda-feira, dia 14, de complicações decorrentes da covid-19. Tinha 86 anos. Um dos mais importantes pesquisadores sobre a ditadura militar brasileira, ele coordenou o projeto de memória oral da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o golpe de 1964, a repressão e a abertura política com o Centro de Documentação da Fundação, o CPDoc.

Gláucio Ary Dillon Soares em entrevista ao Estadão em 2005.Foto: MARCOS D'PAULA/AGENCIA ESTADO/AE Foto:

PUBLICIDADE

“O que devia ser uma pesquisa qualitativa para ilustrar uma reflexão sobre autoritarismo militar acabou virando um grande projeto sobre memória militar, o maior que o País teve até então e o único desse gênero entre os países vizinhos que sofreram ditaduras similares. Produzimos e organizamos vários livros juntos, escrevemos artigos e formamos pessoas em nossa equipe de trabalho”, escreveu, ontem, em uma rede social, a cientista política Maria Celina D’Araujo, ao lado do antropólogo Celso Castro, ambos colegas de Soares.

Filho de um contador e de uma professora, Soares fez carreira em universidades fora do Brasil, lecionando em Harvard, na Ucla e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), na University of Florida, nos EUA, e na Universidad Autónoma de Mexico. Foi quando estava na Florida que procurou, no início dos anos 1990, a professora Maria Celina, então na FGV. “Queria fazer um projeto de pesquisa sobre a ditadura militar e tinha a ideia de conversar com os militares que exerceram o poder, entender a ditadura por dentro, suas contradições e sua unidade formal para entrar e sair do regime em ordem unida. Tinha conseguido um pequeno financiamento nos Estados Unidos e começamos a preparar nossos planos que mudaram muito com o andar do trabalho”, contou Maria Celina, referindo-se ao amigo. Dillon Soares e seus companheiros criaram o maior banco de dados com depoimentos de militares do País, uma referência para os estudos sobre essa parte da burocracia estatal decisiva para a compreensão da República. Trata-se de fonte única sobre o regime; só mais de uma década depois, a Biblioteca do Exército tentou seguIr o exemplo, mas sem o mesmo cuidado acadêmico. “Era uma voz sempre presente a dizer que tínhamos que testar tudo antes de afirmar ou concluir. Rigor absoluto com a metodologia”, escreveu Maria Celina.

Depois do projeto sobre os militares, Dillon Soares dedicou-se a pesquisas sobre a violência no Brasil. “Agregou-se ao grupo de ativistas que fizeram a bem-sucedida campanha contra mortes no trânsito em Brasília, dedicou-se ao estudo da violência interpessoal e policial no Brasil e pesquisou muito a esse respeito”, disse ainda Maria Celina. O professor havia concluído recentemente, com sucesso, o tratamento para um câncer. “Mesmo com a aridez do mundo acadêmico, tornou-se um militante da plenitude da vida de uma maneira intimista, sensível: falando de dor, de esperança e de fé. Mais uma pessoa idosa, produtiva, com saúde, que mesmo vacinada, foi acometida pela covid.”, completou Maria Celina.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.