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Um olhar crítico no poder e nos poderosos

Opinião|Montanha-russa

Queda de inflação e juros é bom, mas não salva a economia nem a política

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Foto do author Eliane Cantanhêde
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Como na economia não há jabuticabas, que têm origem no Brasil e, reza a lenda, só dão aqui, parecia claro que a inflação iria cair de madura. Recessão não combina com inflação. Se empresas fecham, famílias estão endividadas, juros são estratosféricos e há mais de 12 milhões de desempregados, não há pressão da demanda, logo não há aumento de preço. Dito isso, é claro também que a queda da inflação dá um refresco não só para os juros, mas para o próprio presidente Michel Temer.

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Temer fechou 2016 sob pessimismo, com os agentes econômicos começando a duvidar da capacidade do governo de alavancar o crescimento e os agentes políticos se perguntando se ele se sustenta na Presidência até 2018. Até nomes, como os de Fernando Henrique e Nelson Jobim, foram jogados nas capas de jornais como opção a Temer. Além do teste de nervos, gera tensão política. 

O início de 2017 não foi mais animador, com o massacre de presos em Manaus ganhando manchetes em toda a mídia nacional e destaque na internacional. Não bastassem crise econômica e política e revelações da Lava Jato, caos do sistema carcerário já no primeiro dia do ano?! Seria puro azar, não fosse pura realidade brasileira. E Temer reagiu mal: demorou a se manifestar e, quando o fez, referiu-se à matança como “acidente pavoroso”.

As boas notícias só começaram no 11.º dia do novo ano, quando o previsível se confirmou: a inflação caiu! Em 2015, último ano completo de Dilma Rousseff, foi 10,67%, bem acima do teto da meta (6,5%). Em 2016, primeiro meio ano de Temer, caiu para 6,29%, de volta à meta. E justificou uma queda dos juros de 0,75 ponto. A indústria comemorou. Bolsas subiram, dólar caiu. Temer, mais aliviado do que exultante, diz que o governo “está no caminho certo” e já acena tanto com inflação no centro da meta (4,5%) quanto com juros abaixo de dois dígitos.

Cá para nós, a inflação caiu porque tinha de cair mesmo, com esse marasmo da economia – e continua alta exatamente nos alimentos. E não quaisquer alimentos, mas também daqueles que estão diariamente na mesa dos brasileiros de Norte a Sul: arroz, feijão, banana, leite e derivados. E, cá para nós também, queda dos juros é sempre uma boa notícia para o setor produtivo, o comércio, os cidadãos. Logo, costuma render dividendos políticos. Mas comemorar 13% de juros? Estamos falando nos maiores juros do mundo!

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A sensação, portanto, é de que todo mundo quer que o Brasil melhore, Temer acerte o passo e possamos voltar a sorrir e até ser felizes para sempre. Há um evidente cansaço diante das crises e uma torcida para que as coisas retomem um mínimo de normalidade. Assim, qualquer boa nova vira festa. Mas com a mesma intensidade com que qualquer má notícia vira o fim do mundo.

Então, a queda da inflação e a consequente queda dos juros são uma ótima notícia de início de ano e uma lufada de alívio para Temer e seu governo, mas a principal conclusão sobre a reação é que o ambiente continua de sobressaltos, sacolejos, incertezas, instabilidade. Qualquer desapontamento, lá vem o baixo astral. Qualquer dado positivo, lá vem o alto astral. Psicologia coletiva à la montanha-russa.

Na verdade, as coisas devem e podem melhorar, mas isso é um processo lento, de altos e baixos, depende visceralmente da complexa aprovação da reforma da Previdência e da recuperação do mais político dos indicadores econômicos, o emprego, que vai demorar. O governo torce para ter iniciado uma trajetória não só de confiança na economia, mas também no próprio Temer. Mas, em qualquer hipótese, essa trajetória não será nada fácil.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

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