Ministros do STF no mensalão: entre o ‘palanque’ e a ‘prestação de contas’

Advogados, professores e juristas avaliam o debate na Corte sobre influência da opinião pública na análise dos embargos infringentes

Por Daniel Bramatti
Atualização:

Nunca ficou tão evidente a preocupação dos ministros do Supremo Tribunal Federal com a opinião pública quanto na mais recente das cinco dezenas de sessões de julgamento do mensalão. Bastante discutida nos bastidores, a questão veio à tona diante das câmeras de televisão graças a um debate entre os ministros Marco Aurélio Melo e Luís Roberto Barroso.

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De um lado, Marco Aurélio, contrário a um novo julgamento para parte dos condenados no mensalão e preocupado com a repercussão das decisões do tribunal. De outro, Barroso, favorável a uma nova análise dos crimes e dizendo-se alheio à voz das ruas (veja quadro ao lado).

Na quarta-feira, 18, o voto final sobre a possibilidade de aceitação dos embargos infringentes - cabíveis, segundo o regimento do STF, nos casos de condenação com placar apertado, mas não previsto mais na legislação brasileira desde 1990 - será dado pelo mais antigo ministro da Corte, Celso de Mello. O pano de fundo sobre o debate de quinta é justamente a pressão que recai sobre o decano: desempatar a votação sobre os infringentes, que está em cinco a cinco. Celso de Mello já indicou que é favorável ao recurso, que pode beneficiar condenados como o ex-ministro José Dirceu.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, o diálogo de Marco Aurélio com Barroso evidencia que, por mais técnico que seja, o tribunal dá sim ouvidos à opinião pública ao julgar - mas isso está longe de significar que o chamado "clamor das ruas" dite as decisões do colegiado.

"O Poder Judiciário leva em conta a opinião pública, mas num conceito amplo de confiabilidade nas instituições", diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional na PUC-SP. "A decisão técnica do tribunal terá impacto na sociedade. Os ministros estão temerosos é de como esse resultado vai ser filtrado para a opinião pública, para que não haja um sentimento de impunidade".

Sobre o risco de uma decisão "política", o professor ressalta que o tribunal não está a serviço de interesses de partidos. "O Supremo é político. O direito constitucional tem um conteúdo político. Não político-partidário, mas no sentido de traçar políticas de Estado", diz Figueiredo.

"A opinião pública também entra no caldo de formação da decisão de qualquer julgador", afirma o advogado Roberto Delmanto Júnior, que concorda com a posição de Marco Aurélio. O advogado entende que não se trata de ficar refém do público, mas sim ter o dever diante dele. "Os juízes, como servidores públicos, devem se preocupar com a devida prestação jurisdicional, no que diz respeito ao direito de todos à Justiça.".

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Para Luiz Flávio Gomes, ex-juiz criminal, a manifestação de Marco Aurélio foi equivocada. "Ele cometeu um erro crasso, fez um exercício de populismo penal e parecia político em palanque." Para Gomes, Barroso estava correto ao afirmar que o Supremo não deve votar "com a multidão". "Respeitar multidão é argumento político, isso não condiz com um julgamento".

Flávia Pivesan, professora-doutora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP, também considera inadequada a discussão sobre opinião pública ocorrida na quinta-feira. "Se você votou em um deputado, em uma plataforma política, há todo sentido em cobrar dele lealdade. Mas isso não se pode exigir do Poder Judiciário, que se afirma em outra legitimação, a guarda das leis e da Constituição", afirma ela.

Por mais que a opinião pública tenha sido levada para o centro do processo, em algo todos os ouvidos pelo Estado concordam: não será esse fator que decidirá o voto de Celso de Mello sobre os embargos infringentes na próxima quarta-feira.

"Nenhuma pressão funcionará com ele, que é um ministro ético e trabalhador", afirma Luiz Flávio Gomes.

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