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Og Fernandes, o ministro que mandou prendeu juízes, evita a fama de herói

Caso de venda de sentenças no TJ da Bahia, em que autorizou a prisão de um juiz e uma magistrada, e a atuação no TSE levam o discreto ministro do STJ ao centro das atenções

Por Breno Pires e Rafael Moraes Moura
Atualização:

BRASÍLIA - Geraldo Og Fernandes, de 68 anos, um dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), valoriza andar nas ruas sem ser reconhecido. Essa condição, no entanto, será colocada à prova após ações de grande interesse público e repercussão no meio político que entraram no fluxo cotidiano de seus gabinetes, no STJ e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde acumula a função de corregedor-geral.

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Do inquérito de venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia às ações que podem cassar o presidente Jair Bolsonaro e a senadora Juíza Selma (Podemos-MT), passando pela controvérsia sobre a coleta de assinaturas digitais para criar novos partidos, Og estará no centro das atenções.

Uma placa no hall de entrada do gabinete anuncia, com uma frase de Caetano Veloso, a origem do ministro: “Onde queres Leblon, sou Pernambuco.” No gabinete onde foram assinadas as decisões que colocaram atrás das grades uma ex-presidente do TJ baiano, o símbolo da Justiça na mitologia grega, a deusa Thêmis, é representada como cangaceira. No quadro, feito sob encomenda a um artista conterrâneo, a balança é preenchida por cajus e bananas e a espada é substituída por uma faca peixeira.

Em tempos de pressão por uma CPI da Lava Toga, o ministro rejeita a alcunha de caçador de magistrados. Ele afastou seis integrantes do TJ baiano, incluindo o atual presidente, e prendeu também um juiz e a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago. Mas ressalta que, como juiz, só decide de acordo com as informações oferecidas pelo Ministério Público Federal.

O ministro Og Fernandes em sessão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão

“O Brasil não precisa de heróis. Precisa de juízes. Precisa de homens que cumpram o seu dever”, afirmou Og, que aceitou conversar com o Estado com a condição de não falar sobre a investigação sigilosa na Bahia. Um colega de STJ aposta em uma postura mais “linha dura” do ministro no inquérito. O perfil de Og, no entanto, é moderado. É visto entre os pares como “sereno, discreto, de espírito leve, sem ser formal”. “Og é um juiz de carreira, muito respeitado, cordial, correto nos seus posicionamentos”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, com quem divide os plenários do STJ e do TSE.

Na principal sentença da Corte Especial do STJ este ano, Og deu um dos oito votos pela condenação do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), a seis anos e nove meses de reclusão em regime semiaberto por irregularidades envolvendo empréstimos consignados a servidores. Ao longo do processo, o governador negou as acusações. Para a classe política em Brasília, no entanto, a toga mais temida de Og, no momento, é a de ministro do TSE. Na terça-feira ele votou pela cassação da senadora Selma Arruda (Podemos-MT). 

A parlamentar tenta reverter na Corte Eleitoral a condenação imposta pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por caixa 2 e abuso de poder econômico na campanha de 2018, quando integrava o PSL. Ao longo de 22 anos de magistratura, a ex-juíza se destacou por penas pesadas em ações contra políticos e funcionários públicos. Agora, sentiu a do ministro. “Chama a atenção que a recorrente ocupou por décadas o cargo de juíza de direito no Estado do Mato Grosso, tendo inclusive exercido a função eleitoral. Tal fato dá cores mais vivas aos ilícitos praticados. Jamais se poderia cogitardesconhecimento das normas ora transgredidas”, afirmou Og Fernandes em trecho do voto.

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Duas semanas antes, votou pela rejeição de uma consulta sobre a possibilidade de se coletar assinaturas digitais para criar partidos. Apontou que a questão é administrativa e não deveria ser analisada pelo TSE por meio de uma consulta. Foi vencido. O plenário deu a autorização, desde que haja regulamentação – ainda assim uma boa notícia para o presidente Jair Bolsonaro, disposto a tirar do papel o Aliança pelo Brasil.

Repórter

Og também é relator das ações que podem levar à cassação do presidente da República e do vice Hamilton Mourão por envolvimento em disparos em massa de mensagens na campanha eleitoral de 2018. O TSE deve julgar o caso no próximo ano. 

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Antes de proferir decisões, o ministro reportou dezenas delas quando atuava como repórter no Diário de Pernambuco nos anos 1970. Cursou Comunicação Social e Direito ao mesmo tempo e, após nove anos, arquivou o jornalismo para assumir, em 1981, uma cadeira de juiz no Tribunal de Justiça.

O jornalista Aldo Paes Barreto, que foi seu editor, recorda que Og era comedido, preciso nas informações, e entregava um texto enxuto que não exigia revisão. “Og Fernandes furou certa vez a rígida defesa da segurança da FAB, naqueles anos de chumbo, para contar aos leitores do Diário, a repercussão de um desastre aéreo com um avião da Varig no Recife”, disse.

Quadro no gabinete do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mostra a Deusa da Justiça (Thêmis) como uma cangaceira. Foto: Rafael Moraes Moura/Estadão

Sobrinho e primo de jornalistas, o ministro costuma comentar que tem o ofício no “DNA”. Seu lado comunicador voltou a aflorar quando aderiu ao Twitter, canal que usa para prestar contas, lançar questionamentos e fazer sugestões de leituras de textos históricos, culturais e de direito. Um dos poucos integrantes de tribunais superiores que mantém conta ativa no Twitter, Og tem 16,4 mil seguidores. São concurseiros, advogados, jornalistas, fãs de esporte – e até autores de ações que mandam mensagens sobre os casos que estão no gabinete à espera de uma decisão. “Virou uma espécie de ouvidoria”, disse.

“O que é que está acontecendo com a magistratura, com a condição humana de ser juiz, quais são as vicissitudes?”, indagou o ministro na primeira de suas participações semanais na Rádio Justiça, iniciadas em março, no quadro “Cabeça de Juiz” – mesmo nome do livro que publicou em 2018. O programa é utilizado para debater questões ligadas ao direito, à história e à cultura. 

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O estresse de magistrados foi o tema do primeiro episódio – do qual a fala acima foi retirada – e a poesia de Manuel Bandeira, o último. A corrupção na Justiça, no momento, está restrita aos inquéritos em discussão no gabinete. Ainda não foi tema de programa.

Outra paixão do ministro tem cores rubro-negras: o Sport Club do Recife. É assistindo aos jogos do time que o comedimento de magistrado fica de lado. “Sou fanático. Só não xingo o juiz.”

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