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Ministério Público da Suíça contesta defesa de Cunha sobre contas secretas

Autoridades sustentam que dinheiro do presidente da Câmara no país europeu tem indícios de origem ilícita, mesmo após versão apresentada por ele de que recursos são resultado de exportações; peemedebista afirma que, na Câmara, irá provar que não mentiu

Por Daniel de Carvalho , Caio Junqueira e Jamil Chade
Atualização:

BRASÍLIA/GENEBRA - O Ministério Público da Suíça aponta inconsistências na defesa apresentada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e diz que as movimentações financeiras realizadas por ele indicam suspeita de lavagem de dinheiro de origem ilícita. Segundo as autoridades suíças, a decisão de bloquear as contas atribuídas a Cunha ocorreu depois que as investigações apontaram para depósitos incompatíveis com a remuneração dele como presidente da Câmara dos Deputados.

Ao Estado ontem, Cunha detalhou sua defesa. Ela ocorrerá em duas frentes. No Conselho de Ética da Câmara, onde é acusado de quebra do decoro, ele tentará provar que não mentiu quando disse não possuir contas no exterior. Na âmbito jurídico, no qual é investigado em inquéritos no Supremo Tribunal Federal, alegará não ter recebido dinheiro público desviado da Petrobrás.

Eduardo Cunha concede entrevista ao 'Estado' na residência oficial da Câmara Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO CONTEUDO

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Fontes próximas ao processo de Cunha na Suíça, porém, afirmaram que o congelamento das contas só ocorreu depois que ficou clara a existência de suspeitas de que o dinheiro não tinha origem legítima. Essas mesmas fontes confirmaram que Cunha é, sim, o responsável pelas contas. “Existe uma suspeita inicial suficiente de que, também em relação a estas transações efetuadas para Cunha, trata-se de produtos criminosos”, alertou informe interno do Ministério Público suíço.

“Existe uma forte suspeita de que os pagamentos efetuados às contas de Cunha são pagamentos de propina e que Cunha é culpado também por lavagem de dinheiro”, disse o MP.

Ontem, Cunha afirmou ter constituído trustes no exterior que administram ativos adquiridos pelo peemedebista entre 1985 e 1989, quando ele comercializava mercadorias no exterior, a maior parte carne congelada para a África, sobretudo o hoje extinto Zaire. O truste consiste na entrega de um bem ou valor a uma instituição (fiduciário) para que seja administrado em favor do depositante ou de outra pessoa por ele indicada (beneficiário).

Segundo ele, na década de 1980, os rendimentos foram aplicadas em offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal. Cunha disse ter levado seus investimentos para o banco Merrill Lynch nos Estados Unidos em 1993. Depois de algum tempo, ele afirmou ter aplicado recursos “em terceiros”, retornando à instituição financeira, constituindo dois dos três trustes identificados pelo Ministério Público da Suíça nos documentos encaminhados à Procuradoria-Geral da República – Orion SP e Triumph SP.

De acordo com o parlamentar, depois que os ativos são aplicados nos trustes, ele não tem mais ingerência sobre os recursos. “Passou a ser o proprietário dos ativos o truste e não eu. Eu contratei o truste, os ativos passaram para o truste, para sua gestão. Eu sou o beneficiário em vida, como se fosse ‘usufrutário’ do bem, mediante condições prévias que foram estipuladas. E, em morte, os meus descendentes, os meus familiares ou quem eu determinasse no contrato de constituição do truste (passariam a ser beneficiários). Esses que são meus sucessores no caso de eu morrer. É assim que se dá a coisa.”

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Em 2007, Cunha disse que o Merrill Lynch optou por transferir os trustes que tinham ele e sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, como beneficiários à Suíça. “(O banco) achou que era melhor para a administração dos trustes, era mais facilidade. Os EUA estavam querendo diminuir o volume de administrações de trustes, queriam se concentrar mais no mercado americano.”

Depósitos. Sobre a denúncia de ter recebido 1,3 milhão de francos suíços do lobista João Henriques, Cunha apresentou ao Estado documentos que, segundo ele, demonstram que foram feitos cinco depósitos em 2011 no truste Orion, mas que não houve movimentação financeira desde então.

Segundo Henriques, delator da Lava Jato, o depósito é fruto do esquema de corrupção e desvios na Petrobrás. Cunha nega.

Pelas regras do truste, conforme Cunha, os recursos só renderiam se tivesse havido justificativa para o depósito ou tivesse sido feito um aditivo ao contrato, incluindo esse dinheiro. “Não tem sentido pelo meu perfil de aplicações ostensivas que o truste exerce de compras e vendas de ações você ficar com um capital desses parado.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Cunha disse que nunca declarou esses ativos porque eles pertencem ao truste, são “futuro direito” e que essa figura de declaração não existe no Brasil. “Vou declarar o quê? O futuro de direito?” Ele também diz não poder ser considerado sonegador. “A origem do ativo é de tanto tempo que sonegador eu não posso ser considerado mais. Até porque eu só tenho responsabilidade tributária pelo que ocorreu nos últimos cinco anos.” Cunha afirmou ainda que demorou para se explicar porque não estava de posse da documentação para embasar sua defesa.

Conselho. O deputado pretende fazer uma defesa concisa no processo por quebra de decoro contra ele no Conselho de Ética. “Não quebrei o decoro. Não menti quando depus à CPI.”

Após a apresentação do parecer inicial do relator, previsto para o próximo dia 24, o peemedebista procurará apenas provar que não mentiu à CPI da Petrobrás quando afirmou não ter contas no exterior. “A verdade é que não menti. Vou comprovar ao Conselho de Ética, factualmente, que não sou titular de conta. Não detenho contas ou ações de empresa offshore.”

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Cunha entende que, no colegiado, precisa se ater ao fato da suposta mentira para “não jogar o jogo de seus adversários”. “Não vou transferir o julgamento jurídico de um processo para o Conselho de Ética. Não vou transferir para o conselho a minha vida pretérita. Não vou cair no jogo dos adversários políticos. Vou me ater à representação e à motivação do que possa levar à quebra de decoro.”

O presidente da Câmara disse que não adotará o argumento de que não falou sob juramento nem assinou termo de compromisso. Ele apresentará sua defesa por escrito e disse que o advogado contratado para defendê-lo na Câmara, Marcelo Nobre, deve procurar o relator de seu processo, Fausto Pinato (PRB-SP).

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