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Militares priorizam questão profissional

Golpe de 1964 e ditadura parecem distantes para futuros comandantes, que se interessam pelas hipóteses de ameaça externa e pelos meios de que disporão para enfrentá-las

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Por Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo
Atualização:

O general de 2047 tem 20 anos e sabe onde pretende estar na segunda metade do século - ele se vê na Amazônia, o cenário do que considera "inevitável área de tensão regional", no futuro próximo. No litoral do Rio, um futuro almirante hoje com 19 anos também contempla o seu destino, a bordo de um submarino de ataque, envolvido na "defesa dos interesses brasileiros no Atlântico Sul" - petróleo, linhas comerciais, gás e minérios. No ar, estará um coronel-aviador de 2o anos, realizando missões de patrulha armada sobre as zonas estratégicas do País, com o caça que, espera o ainda aluno de academia, será resultado de um projeto nacional.Os três representantes da primeira geração de oficiais superiores das Forças Armadas formados em ambientes essencialmente tecnológicos, alunos de escolas militares e comandantes dentro de 30 anos, tratam do golpe de 64 por meio da lente da história.Um deles, o da Marinha, tem o pensamento mais politizado. Acha que "talvez" tenha havido uma espécie de contragolpe, ante a ameaça de movimento revolucionário, "jamais claramente caracterizado por pesquisadores". O aluno do Exército "estudou os acontecimentos" na escola preparatória, o mesmo canal seguido pelo futuro piloto de combate. Todos têm a mesma convicção, a de que, meio século depois, a atual comunidade militar pouco tem a ver com os fatos, e prioriza as questões profissionais.As Forças Armadas somam cerca de 318 mil homens e mulheres. O maior efetivo é o do Exército - 190 mil soldados, 30% de pós adolescentes, cumprindo um ano de serviço obrigatório. O acesso à carreira de combatente é feito, a rigor, por meio da Escola Preparatória de Cadetes, que mantém 500 alunos. A fase seguinte, quatro anos na Academia Militar das Agulhas Negras, fornece os aspirantes aos quadros de oficiais - são 1.850 cadetes este ano, entre os quais diversos estrangeiros. Ao longo da carreira, passarão por cursos de especialização. Os capitães cumprem o ciclo de Aperfeiçoamento e, ao atingir a oficialidade superior, são aceitos nos programas de Comando e Estado-Maior; Política e Estratégia; e de Alta Administração. Há uma intensa preocupação com a profissionalização militar desde a reforma feita pelo primeiro presidente do ciclo de exceção, marechal Humberto Castelo Branco, impondo a reforma compulsória após 12 anos de generalato. Na caracterização formal do ofício, há um item que afirma: "O militar da ativa é proibido de filiar-se a partidos e de participar de atividades políticas, especialmente as de cunho político-partidário".Nesse meio rarefeito, poderia haver uma nova intervenção como a de 1964? "Sinceramente, não acredito", diz o cientista político Alexandre Fuccille, professor da Unesp e integrante do Grupo de Estudos de Defesa da instituição. Para o pesquisador, "não só o momento histórico é distinto, como o Brasil é um país mais complexo, dinâmico e plural". Fuccille reconhece "estarem pendentes na agenda política a concretização de reformas estruturais muito parecidas com as ‘reformas de base’ que eram discutidas há 50 anos".Para um professor e militar que prefere não ser identificado, "resta uma dúvida clara em relação à destinação constitucional das Forças Armadas: a caracterização de uma eventual ameaça". O Artigo 142 da Constituição fala em "defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Ele pergunta: "Essa condição pode ser interna? Quem a identifica?"

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