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Militares ocuparam galerias

Sessão de votação foi uma das mais tumultuadas da história do Congresso

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Por Denise Madueño e BRASÍLIA
Atualização:

Jovens militares sem uniforme, mas facilmente identificados pelo corte de cabelo, ocupavam quase a totalidade das cadeiras da galeria do plenário da Câmara quando, às 7 horas do dia 22 de agosto de 1979, as portas do Congresso foram abertas para a sessão de votação da Lei da Anistia. O objetivo era impedir que os grupos de militantes dos movimentos pela anistia tomassem conta do lugar. O então ministro da Justiça, Petrônio Portela, declarara no dia anterior que o governo usaria toda a sua influência junto à Arena para impedir que a anistia fosse ampliada além dos limites contidos no projeto preparado pelo Palácio do Planalto. O ministro das Comunicações, Said Faraht, fizera coro a ele, afirmando que o governo já havia "transigido no limite". Leia reportagem sobre o papel das mulheres na anistia Veja também a íntegra das entrevistas com Paulo Sérgio Pinheiro, Paulo Vannuchi e do general Venturini Foi nesse cenário e com tal clima de disputa que deputados e senadores chegaram ao Congresso para uma das sessões mais tumultuadas da história do Legislativo. Durante oito horas de sessão, os parlamentares se envolveram em bate-boca e até em empurra-empurra. Vaias e aplausos foram comuns. Apenas um pequeno grupo de manifestantes favoráveis à proposta de anistia ampla, geral e irrestrita conseguiu chegar ao plenário, tomado pelos militares. Mas foi o bastante para algumas manifestações barulhentas. Em mais de um momento eles foram saudados com gestos obscenos que partiam de parlamentares governistas. Na sessão de discussão do projeto, na véspera, o clima já havia sido de tensão. Enquanto parlamentares discutiam a proposta no plenário, do lado de fora do Congresso, uma manifestação pela anistia ampla era dissolvida com bombas de gás. No Rio e em São Paulo, presos políticos estavam em greve de fome. No dia da votação, a maior preocupação do MDB, o partido de oposição consentida, era ampliar a abrangência da anistia - como apurou o Estado em pesquisa nos documentos da época recolhidos nos arquivos da biblioteca da Câmara e por meio de relatos de parlamentares que participaram da sessão. O MDB, com o apoio de diversas entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e movimentos e comitês de anistia espalhados por todo o País, buscava a anistia ampla, geral e irrestrita. O governo não aceitava, porém, estender o benefício aos presos políticos que haviam sido condenados pela prática de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, também chamados de crimes de sangue. Com o País sob a ditadura militar, o partido de sustentação do governo, Arena, era amplamente majoritário. Havia senadores biônicos, nomeados e sem votos, e o MDB, única legenda de oposição com existência permitida, não tinha número suficiente para impor qualquer resultado nas votações. As negociações entre Arena e MDB foram intensas durante a própria sessão. A derrota do projeto da oposição já era prevista, mas o MDB ainda tentava ampliar a anistia proposta pelo projeto do então presidente João Baptista Figueiredo (1918-1999), apoiando uma emenda apresentada pelo arenista Djalma Marinho (RN). Uma vez que a emenda ampliava a anistia, o MDB pediu que o governo encampasse a proposta com apoio da oposição. O então presidente da Arena, José Sarney, no entanto, se negou a atender ao pedido do presidente do MDB, Ulysses Guimarães. O projeto do presidente Figueiredo foi aprovado em votação simbólica, pelos líderes dos dois partidos. A emenda de Marinho foi submetida a votação nominal depois de a oposição conseguir superar uma manobra feita pelo então deputado Edison Lobão (Arena-MA), atual ministro de Minas e Energia, com o objetivo de evitar que os parlamentares registrassem seus votos para não se exporem à opinião pública. A emenda de Marinho foi rejeitada por 206 votos, todos de deputados da Arena, contra 202. Além de deputados do MDB, votaram a favor da emenda 15 deputados arenistas. Com a derrota na Câmara, a proposta não chegou a ser submetida a votação pelos senadores na sessão conjunta do Congresso. MILITARES Parlamentares que acompanharam a tramitação do projeto avaliam que a questão da anistia para os torturadores permeou todas as discussões no Congresso. "No ambiente político da época, ficou claro que todos estavam anistiados. Era isso ou nada", afirmou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um dos parlamentares do MDB que integrou a comissão especial mista criada para discutir o projeto no Congresso. Miro estava na sessão do dia 22 de agosto de 1979. No contexto da ditadura, lembra o deputado, havia uma corrente entre os militares que queria fazer a abertura política, enquanto outra tentava impor uma linha mais dura ao governo. "Uma derrota na votação da anistia seria uma vitória para a corrente mais radical da direita", afirma o pedetista. De acordo com o senador Pedro Simon (PMDB), que acompanhou os debates, ao lado de Ulysses Guimarães, também na oposição democrática houve dificuldades quanto à definição de um projeto mais amplo de anistia. Ele conta que, numa certa altura das negociações, exilados influentes e já de malas prontas para voltar ao Brasil, começaram a exigir que se aprovasse o projeto do governo - e que depois se discutissem formas de ampliá-lo. O senador não citou nomes, mas um dos tais políticos influentes que já estavam prontos para retornar era Leonel Brizola. No dia 6 de setembro daquele ano ele desembarcou em São Borja, no Rio Grande do Sul. COLABOROU ROLDÃO ARRUDA

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