Militante aparece ora morta e ora como viva no relatório da Comissão da Verdade

Nome de Dirce Machado da Silva aparece no relatório, mas não consta da lista final de mortos apresentada pelo colegiado

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Por Fabio Brandt e Leonencio Nossa
Atualização:

Com espanto e uma gargalhada, Dirce Machado da Silva, ex-filiada ao extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB), recebe a notícia de que aparece citada em uma passagem específica do relatório final da Comissão Nacional da Verdade como uma "morta ou desaparecida" da ditadura militar. 

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O nome dela surge inadvertidamente no relatório, entregue na quarta-feira para a presidente Dilma Rousseff, no capítulo dedicado à Revolta de Trombas e Formoso, um movimento camponês ocorrido no norte de Goiás na década de 1950 e que teve seus participantes perseguidos durante a ditadura.

Logo em seguida, porém, seu nome reaparece como uma testemunha, bem viva, da revolta. A lista final do relatório sobre mortos e desaparecidos também não traz o nome de Dirce. Ou seja, a menção equivocada ocorre apenas no trecho dedicado à revolta. Integrantes da Comissão Verdade não foram localizados até o momento para comentar o erro.

O nome de Dirce Machado da Silva surge inadvertidamente no relatório, entregue na quarta-feira para a presidente Dilma Rousseff Foto: Ed Ferreira/Estadão

'Fantasma'. "Este fantasma está com 80 anos", brinca dona Dirce ao receber a reportagem do Estado em sua casa, em Goiânia. Dirce diz que soube da pesquisa da Comissão da Verdade por meio da Comissão da Anistia e que teve dois contatos com a Comissão da Verdade. Gravou depoimento em vídeo. "Eu relatei tudo sobre Trombas", diz. "E mesmo assim deu essa...", ela termina a frase com uma risada. 

Sem filiação partidária, dona Dirce deixa claro que sua militância atual é a ajuda prestada aos colegas da região onde já morou. "Eu sou ainda o apoio daquela turma. Minha casa é feita para abrigar doente, para tudo. Às vezes tem duas, três famílias que vêm de lá para tratamento de saúde. De Trombas, de Formoso, Porangatu, Iporá". 

Dona Dirce, como é chamada, dá ainda informações sobre os outros incluídos pela Comissão da Verdade entre os mortos e desaparecidos "sem dados" do episódio de Trombas e Formoso. 

Bartolomeu Gomes da Silva, por exemplo, ela conta que morou na região do Bico do Papagaio, no Tocantins e, apesar de ter ficado "perturbado" por causa da tortura, segundo afirma Dirce, enfrentou um câncer antes de morrer. Ela não sabe dizer as causas das mortes de Geraldo Tibúrcio e de Geraldo Marques da Silva, mas, no último contato que tiveram, moravam em Anápolis e em Goiânia, respectivamente. Nenhum morreu na prisão. 

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Aos 20 anos, dona Dirce foi com colegas do PCB aos povoados de Trombas e Formoso para ajudar na organização dos camponeses estabelecidos em terras devolutas e que enfrentavam fazendeiros. 

Em 1962, quando o líder camponês José Porfírio de Sousa se elegeu deputado estadual, o governo concedeu o título de posse das terras, conquista revogada em 1964, após o golpe militar. A ditadura passou a perseguir os moradores dos povoados. Dirce foi presa com o irmão, César, seu então marido, José Ribeiro da Silva, e outros colegas. Todos foram brutalmente torturados. 

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