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Mídia explora briga de Bush e Chávez, diz Lula nos EUA

Em entrevista ao canal público norte-americano PBS, presidente diz que "não gosta de política"

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Por Bruno Accorsi
Atualização:

O presidente Lula disse em uma entrevista à TV pública americana PBS que a "briga" entre o presidente americano, George W. Bush, e o líder da Venezuela, Hugo Chávez, "está sendo um pouco explorada pela imprensa, pela mídia". Os comentários do presidente foram feitos durante a entrevista que concedeu em Nova York a um dos mais tradicionais programas de entrevistas americanos, o Charlie Rose.   A entrevista editada foi ao ar nesta quarta-feira, 26, e a BBC Brasil teve acesso à transcrição completa da conversa entre Lula e o apresentador Charlie Rose.   "De vez em quando, eu brinco com o presidente Bush e com o presidente Chávez também. Porque Chávez precisa de Bush para vender seu petróleo. E Bush precisa de Chávez para comprar o petróleo deles. E não sei porque eles se atacam tanto", comentou o presidente.   Mas Lula acrescentou que a tensão entre os dois líderes "não irá causar qualquer dano às relações democráticas que temos atualmente na América Latina".   O presidente qualificou o seu contato com Chávez como sendo "muito pessoal" e disse que a relação entre os dois é a "melhor possível".   Bush flexível   Indagado pelo entrevistador se ele acredita que Bush irá recomendar que o etanol produzido no Brasil possa ser exportado para os Estados Unidos sem que sejam cobradas tarifas, Lula respondeu: "Acho que ele está preparado para convencer os produtores de milho nos Estados Unidos a produzir etanol, mas ele não está preparado a reduzir a tarifa de US$ 0,54 cobrada sobre o etanol brasileiro. Mas é um processo".   "Eu sinto que o presidente Bush agora está mais flexível, mais disposto a discutir esse tema."   Mas o presidente fez críticas ao modelo americano de etanol, produzido a partir de milho, e defendeu o etanol brasileiro, feito de cana de açúcar.   "O milho é uma ração que serve a muitos animais cultivados pelo ser humano. E você pode fazer com que o preço do milho fique muito caro para o resto do mundo. Os preços subiriam. E, acima de tudo, isso tornaria impraticável a compra de carne, devido ao preço do milho, especialmente para o México e os centro-americanos que consomem muita tortilla (uma espécie de pão feito à base de milho). Portanto, eles sofreriam as conseqüências."   Lula acrescentou que "outra coisa importante é que o etanol feito de cana é mais barato que o feito de milho". "Gostaria de pedir a Deus que não apenas os americanos e os brasileiros, mas o mundo todo leve a sério o tema de construir uma nova matriz energética, porque, afinal, não é apenas meu carro que precisa desse tipo de combustível. É o mundo, o planeta que precisa ser mais cuidadoso."   Conselho de Segurança   Na entrevista, Lula tratou ainda de um dos principais temas da política internacional do atual governo, o de obter uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, tema de seu discurso na abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira, 25.   "Eu acredito que até o presidente Bush e outras pessoas do governo americano deveriam defender o Brasil, devido à importância que o Brasil tem para a América Latina. O Brasil é um país pacífico, que dá prioridade para políticas de paz."   O presidente disse acreditar que a postura dos Estados Unidos para os países sul-americanos deveria ser mais "pró-ativa", especialmente em relação às nações menores da região.   "Se nós não dermos uma chance para esses países, deixá-los crescer economicamente, criar empregos nesses países, o que essas pessoas farão com suas vidas?"   Segundo Lula, vive-se atualmente um momento de fortalecimento da democracia no continente. "Agora que não temos mais o temor do comunismo, agora que o mundo está mais confortável, que as pessoas aprenderam a resolver conflitos políticos através da democracia".   Doha   A Rodada de Doha para a liberalização do comércio mundial - que Lula disse nesta semana estar mais próxima de um acordo do que em qualquer outro momento histórico - também foi um dos tópicos tratados.   "Os Estados Unidos deveriam ter uma postura mais pró-ativa e dizer que é por isso que estamos lutando na Organização Mundial do Comércio e nas rodadas comerciais, para que possamos ter um acordo perfeito. Os Estados Unidos, por um lado, reduziriam os subsídios agrícolas, a União Européia facilitaria o acesso aos nossos produtos agrícolas, e nós, do G-20, flexibilizaríamos nossos produtos industriais."   Assim como afirmou à imprensa brasileira em Nova York, o presidente voltou a falar em tom otimista sobre um desfecho positivo para a rodada. "Estamos perto de alcançar um acordo. Certamente, quem vai ganhar não serão os Estados Unidos, o Brasil ou a União Européia, serão os países mais pobres. É isso que queremos."   "Não gosto de política"   Em determinado trecho, o entrevistador afirmou que Lula chegou à presidência por "um caminho inusitado" e perguntou o que ele aprendeu sobre o exercício do poder.   O presidente disse que "há muito tempo, não tinha a intenção de entrar para a política". "Por um lado, eu não gosto de política. Eu não gosto daqueles que gostam da política. Nunca pensei que fosse concorrer a qualquer cargo."   Indagado se sentia-se preparado quando assumiu a Presidência, Lula comentou que "hoje posso dizer que graças a Deus eu não fui eleito em 1989" e acrescentou que sente isso porque acredita que "ao esperar 12 anos para ser eleito presidente, eu me preparei bem para isso. Me senti preparado para o exercício do poder".   Charlie Rose também perguntou sobre escândalos de corrupção que surgiram na administração de Lula.   "Corrupção é um assunto muito sério. Não é um problema só para o Brasil. É um problema em todo o mundo. Quanto mais você combate a corrupção, mais aparece corrupção. Se você quer varrer a coisa para debaixo do tapete, isso não vai aparecer na mídia."   Ao fazer elogios ao programa Charlie Rose, exibido pela emissora pública PBS, Lula voltou a dar uma estocada na mídia. "Nós precisamos assistir mais a uma TV mais séria. No Brasil, nós não temos uma verdade que permanece na TV."

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