Mestiço sestroso

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Por Dora Kramer
Atualização:

A tucana Yeda Crusius voltou a circular com leveza na capital federal. Deixou o circuito exclusivo dos ministérios, abandonou o travo de amargor que fazia dela uma péssima interlocutora política e uma oposicionista ambígua, tão obsessiva ficava com as monumentais dificuldades e tão necessitada estava do governo federal no primeiro ano à frente do governo do Rio Grande do Sul. A carência financeira era absoluta, mas os obstáculos abundantes: um vice-governador dissidente, uma Assembléia Legislativa contra, os servidores revoltados, o empresariado intrigado, os adversários empenhados em investigações de irregularidades, dívidas por todos os lados e a solidariedade do próprio partido, praticamente uma formalidade. Passado o vendaval, contas em dia, dívidas escalonadas, investigações em águas passadas, Estado adaptado aos preceitos da responsabilidade fiscal, em substituição a outros paradigmas tradicionais, o alívio migra de imediato para aparência, algo inerente à alma feminina: cabelos mais claros combinando com os olhos azuis, os dez quilos a menos se acomodam perfeitamente ao conjunto fúcsia em substituição ao pretinho desanimado dos tempos de aflição. Na política, nada parecido com a hesitação quase-adesista da primeira fase. Yeda Crusius agora é assertiva: "O clima de fim de mandato já tomou conta do governo federal, a eleição municipal provou que dinheiro e manipulação não produzem vitórias e a crise econômica favorece quem já viveu ciladas semelhantes e tem experiência em lidar com elas." Nome e sobrenome? "José Serra." Na opinião dela, a eleição de Gilberto Kassab deixou patente de quem é o comando em São Paulo, impondo as regras muito claras dentro do partido. Yeda foi partidária assumida de Geraldo Alckmin na escolha da candidatura presidencial de 2006. "Ele queria, não queria? Então era preciso deixar, fazer o teste. Duas eleições depois, não há dúvida: Alckmin é página virada." Estaria a governadora do Rio Grande do Sul desde já anunciando seu alinhamento à candidatura do governador de São Paulo? Depreende-se isso, mas explicitamente não é assim oficialmente. "Temos duas locomotivas andando, o governo não tem nenhuma." E a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef? "A democracia avançou tanto, a política está tão profissionalizada que ninguém consegue inventar candidaturas do nada, como ocorreu em 1989, quando Fernando Collor derrotou as estruturas tradicionais." Na visão da governadora, essas estruturas se aperfeiçoaram, a passagem do PT pelo poder disse adeus às vãs ilusões e, portanto, terá mais chance quem estiver estabelecido. "E pronto para mostrar à população que tem experiência na administração de crises." Perfeito, mas a locomotiva chamada Aécio anda na mesma velocidade que a locomotiva denominada Serra? Cena de tucanagem explícita: "Veja bem, o PSDB conhece s regras do jogo." Ah, sim, então as coisas mudaram muito... "Completamente. Com o bom resultado de São Paulo, ninguém mais joga na divisão." Na interpretação da governadora do Rio Grande do Sul, as desavenças presidiram os processos de 2002, 2006 e 2008. Quando o eleitor riscou Alckmin do mapa, os tucanos passaram a compreender que dança melhor quem dança direito sob a batuta de um só maestro. Captada a mensagem, resta a dúvida: e o que faz Aécio nesse meio tempo? Na opinião da governadora o melhor seria presidir o Senado. E por que não vice num chapa puro-sangue hoje defendida por onze entre dez oposicionistas ao governo Lula? "Porque a chapa puro sangue seria quase uma piada diante das demandas dos potenciais aliados." Na opinião da governadora do Rio Grande do Sul, muito mais vantajoso contar com a adesão de partidos simpatizantes que partir para um vôo solo, imaginando que o critério regional resolva tudo. "Não resolve. Se Minas e São Paulo quiserem votar em Aécio ou Serra não deixarão de fazê-lo se outro partido estiver na aliança." Entenda-se como "outro partido" o PMDB, cujos propósitos já estão sendo administrados tanto pelo PT como pelo PSDB. No que tange ao seu partido, a governadora Yeda Crusius acha que o melhor é abrir espaço. Para quem? Eis a questão. Na teoria, para todos. Na prática, para todo mundo, menos para o eleitor cujo controle sobre sua participação é nula. TRANSIÇÃO Assim como Fernando Henrique Cardoso no fim do segundo mandato, Lula está aflito com seus índices de popularidade do segundo. Nenhum dos dois quer ter comparações recíprocas. Ainda que não pareça de forma explícita, tudo muda.

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