Mendes pede fim da discussão sobre tortura no regime militar

Ministro cita experiência de países vizinhos que, com esse debate, 'têm produzido bastante instabilidade'

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Por Fausto Macedo
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O ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse ontem que a discussão sobre a tortura e o arbítrio no Brasil durante o regime militar "é um tema que realmente talvez precise ser encerrado". Especial: leia a íntegra da Lei da Anistia Entenda o processo que resultou na Lei da Anistia Segundo o ministro, a experiência de outros países da América Latina - que reabriram os arquivos da repressão - "não é a melhor, tanto é que eles não produziram estabilidade institucional". "Pelo contrário, eles têm produzido ao longo dos tempos bastante instabilidade." Ao recomendar "muito cuidado" diante de depoimentos que pregam reforma da Lei de Anistia, Gilmar Mendes ressalvou: "Estamos falando de fatos que ocorreram há mais de 30 anos. É muito difícil fazer uma revisão unilateral da Lei de Anistia." O ministro adotou o mesmo peso quando se referiu às conseqüências e feridas de atos de tortura e de ações terroristas. Foi enfático ao prever a reação da Justiça ante demanda dessa ordem, que pode desaguar no poder que ele comanda: "Acho muito difícil que qualquer tribunal entenda que as práticas, que são lamentáveis, tanto a de tortura como a de terrorismo, acho difícil que os tribunais entendam uma prática benfazeja, elogiável, e outra não." As reflexões do presidente do STF sobre os porões são um capítulo crucial na controvérsia instalada a 31 de julho, quando o ministro Tarso Genro, da Justiça, defendeu a punição a militares e policiais que violaram direitos humanos no período da ditadura (1964-1985), ainda que a tais agentes tenha sido conferido o abrigo da anistia, de 1979. É a primeira oportunidade em que um representante do Judiciário, exatamente o que ocupa o mais alto posto na hierarquia da toga, se manifesta sobre o embate. FERIDAS A proposta de Tarso é alvo da ira dos militares, da reserva e da ativa, que repudiaram o revanchismo. O general Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar, sugeriu ao ministro que se volte para as "feridas mais recentes", como o assassinato de Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André executado em 2002, e o mensalão. Nelson Jobim, ministro da Defesa, contestou a posição do colega de governo e disse que tais fatos devem ser submetidos ao crivo do Judiciário, não do Executivo. D. Odilo Pedro Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo, ponderou que "certamente é hora de virar a página". Mas Tarso não recuou e, na semana passada, reafirmou seu argumento principal sobre o alcance da lei agora questionada: "Ninguém disse que tortura é crime político." "Em geral, os tratados consideram que são imprescritíveis tanto os crimes de tortura como os crimes de terrorismo", ressaltou Mendes, ontem, após uma palestra para 200 estudantes de Direito sobre liberdades individuais e interesse público. No encontro com os futuros bacharéis, o ministro destacou a importância da autonomia do juiz diante do que chamou de "momentos de grande tensão". "É fundamental a independência judicial, mas ela só não basta. É preciso coragem." Ele foi categórico, quando abordado por jornalistas sobre a necessidade ou não de uma revisão da lei que perdoou os protagonistas dos anos de chumbo. "É uma questão que deve ser examinada com muito cuidado. Tenho a impressão de que é muito difícil fazer uma revisão da Lei de Anistia." Ao fazer uma avaliação sobre a receptividade que a questão teria nas cortes judiciais, o ministro acrescentou: "Acho difícil nesse contexto, além de outras questões práticas. Qualquer homicídio no Brasil prescreve em 20 anos." Ao falar da empreitada de países vizinhos que expuseram o segredo dos quartéis, o ministro reiterou sua descrença no sucesso de uma iniciativa dessa ordem. "A inspiração dos nossos co-irmãos da América Latina não é a melhor. O desenvolvimento institucional e histórico brasileiro tem sido diferente. Então, é preciso que nós meditemos com cautela em relação a isso." O ministro declarou: "Agora, adotar uma postura que valora a Lei de Anistia não significa coonestar nem a prática de tortura nem a prática de terrorismo porque ambos são crimes abomináveis." RECURSO Hoje, três desembargadores do Tribunal de Justiça paulista vão julgar recurso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que pode barrar ação movida contra ele pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto nas dependências do Departamento de Operações e Informações (DOI-Codi) do antigo II Exército, no Paraíso. O coronel, reformado, era comandante do DOI-Codi. Ele nega ter torturado.

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