Marcos Azambuja: 'Brasil não está sendo coerente com sua política ambiental desde a Eco-92'

Coordenador da Eco-92 diz que defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável é 'casamento virtuoso' entre preocupações globais e interesses nacionais

Por Paulo Beraldo
Atualização:

NOVA YORK – O Brasil tem mais a perder do que ganhar ao adotar uma postura diferente em relação ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, pautas cuja defesa consolidou a imagem do País como um dos líderes globais dessa discussão nas últimas décadas, em especial em foros internacionais como a Organização das Nações Unidas. "Houve a ruptura de um equilíbrio", avalia o diplomata Marcos Azambuja, que coordenou a Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, realizada no Rio, com 108 chefes de Estado para conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação dos recursos naturais, há 27 anos.

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Nesta semana, o Brasil estará diante do mundo na tribuna da Assembleia-Geral da ONU, onde deve usar o discurso de abertura do evento para rebater as críticas em relação à pauta ambiental. O ministro Ricardo Salles afirmou que tem viajado ao exterior para transmitir uma mensagem de esclarecimento, "rebater desinformações" e apresentar oportunidades de investimentos no País. O País ficou de fora dos discursos da cúpula global do clima nesta segunda.

"O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum e, agora, inspira desconfiança. O País não está sendo coerente com sua política ambiental desde a Eco-92", afirmou Azambuja, que também foi chefe das embaixadas do Brasil na Argentina e na França e hoje é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

O embaixador brasileiro Marcos Castrioto de Azambuja, conselheiro do do Centro Brasileiro de RelaçõesInternacionais (CEBRI), fala no Rio de Janeiro Foto: Foto: MARCOS DE PAULA/AGENCIA ESTADO/AE

  • O Brasil se consolidou como protagonista, ao longo dos últimos anos, de temas como a defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. O País estará agora diante do mundo na tribuna das Nações Unidas e enfrenta questionamentos por conta dos incêndios na Amazônia e da política ambiental. Como chegamos até aqui?

Houve a ruptura de um equilíbrio. Há muitos anos, o Brasil não era mais alvo de nenhuma reação mundial. Pelo contrário, era parte de um consenso. Agora, passamos a ter um comportamento permissivo demais e acusamos ONGs e países de conspiração. Depois de tantos anos de harmonia, temos uma relação conflituosa.

O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum, mas agora inspira desconfiança. Resolveu se distanciar de um consenso sobre meio ambiente e direitos humanos. Ainda que o Brasil tivesse suas especificidades, estava de acordo com o ideário global, tinha uma ideia de atenção sustentada sobre desenvolvimento sustentável. O mundo aceitava que o Brasil estava agindo com prudência, embora quisessem que fôssemos mais velozes.

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Agora, o meio ambiente é visto como parte de uma conspiração internacional contra os interesses brasileiros. Perdeu-se a sensação de que o meio ambiente é, acima de tudo, interesse do Brasil. Quando penso em meio ambiente, não estou preocupado só com a Groenlândia, estou preocupado com o peixe aqui do lado. O mundo começa no Brasil.

  • O que fazer para mitigar possíveis danos na Assembleia Geral das Nações Unidas?

No momento, desconfio da filosofia do nosso representante. Em condições normais, o objetivo seria restabelecer a confiança, já que a política externa é construída sobre confiança recíproca. Há uma repartição de responsabilidades, por isso é preciso diálogo e entendimento. Mas não vejo esses ingredientes. Minha impressão é que a situação, diplomaticamente, tende a piorar um pouco mais antes de melhorar.

Que ganhos e prejuízos essa mudança em relação ao meio ambiente pode trazer? Os prejuízos são mais fáceis de antever. Ganhos, não vejo nenhum. Vejo perdas na confiança internacional e na credibilidade. O Brasil deveria oferecer credibilidade para ter acesso a órgãos mais importantes e a mais mercados. A desconfiança é terrível, afeta investimentos, o turismo, a parte cultural. É bom ser visto como pacífico, construtivo, como um país que contribui para a criação de um consenso internacional.

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O Brasil é uma potência média-grande e precisa trabalhar em conjunto com os outros países. É naturalmente um país multilateralista, tem dez vizinhos. Só China e Rússia têm mais vizinhos. Nossa vocação é o convívio, o diálogo, a integração, e temos de manter isso. Então, em termos de política externa, não é um bom momento. Não vislumbro nada a não ser um pouco de mais do mesmo. Mas sei que esses ciclos se esgotam.

  • Um dos marcos do Brasil na defesa de pautas ambientais foi a Eco-92, conferência da qual o senhor foi coordenador. O que ela representa?

O mérito da Rio-92 foi encontrar no desenvolvimento sustentável uma fórmula salvadora. Ela foi marcada por grande otimismo. Era a grande conferência mundial pós-Guerra Fria, o mundo se sentava à mesa para encontrar convergências. E dali surgiram muitos instrumentos que consagraram a ideia do desenvolvimento sustentável. Ela leva ao Protocolo de Kyoto (acordo para reduzir emissões de gases efeito estufa, assinado em 1997), às COPs (conferências que tratam de mudanças climáticas), ao Acordo de Paris. Era uma fórmula que parecia boa para todos.

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O que não se imaginou é que a degradação do meio ambiente fosse ser potencialmente tão veloz e tão ameaçadora. Todo mundo imaginava que seria uma degradação ao longo de séculos. Então, depois de Kyoto, há uma nova divisão: entre aqueles que pensavam que alterações climáticas tinham poucos anos para serem remediadas e entre os que acham essa visão um imenso exagero.

  • E no Brasil, o que mudou a partir dali?

O País incorporou no seu ideário nacional a proteção do meio ambiente. Deixou de ser uma 'ideia estrangeira' para ser uma causa nacional. Antes, víamos o meio ambiente como algo 'com os outros'. Depois, passou a ser 'coisa nossa'. Não era protegido para agradar europeus, canadenses, mas para proteger o que era nosso. Foi um casamento virtuoso entre preocupações globais e interesses nacionais.

O Brasil começou a cuidar do meio ambiente não porque fosse bom para a Dinamarca, mas porque uma floresta queimada é ruim para nós, porque uma praia poluída nos prejudica. Então, se alinha com uma boa causa, participa de todas as COPs, da Rio +10, da Rio+20, até que assinamos as convenções do Acordo de Paris. O País ia navegando de maneira tranquila em harmonia com o mundo. Mas, agora, o Brasil não está sendo coerente com a sua política ambiental desde a Eco-92. 

* O repórter viajou a convite da Organização das Nações Unidas

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