Manobras transformam multa eleitoral em 'ficção'

Lula não pagou multa de R$ 900 mil por propaganda antecipada em 2006 e seu rival, Alckmin, ainda recorre de punição no valor de R$ 21,2 mil

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Por Mariângela Gallucci e BRASÍLIA
Atualização:

A combinação de recursos judiciais, manobras protelatórias e anistias transformou as multas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sanções de faz de conta. Punido na eleição de 2006 por propaganda eleitoral antecipada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à reeleição, até hoje não pagou a multa, fixada originalmente pelo TSE em R$ 900 mil.

 

Naquela eleição, seu principal adversário era o tucano Geraldo Alckmin, que ainda hoje recorre de uma multa de R$ 21,2 mil.

 

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Recentemente, Lula ironizou em público as multas aplicadas pelo TSE, que agora o condenou por fazer propaganda eleitoral antecipada em favor da candidatura ao Planalto de sua ex-ministra Dilma Rousseff (PT).

 

Pelo histórico do TSE, dificilmente o presidente pagará até a eleição de outubro as cinco multas recebidas até agora - que juntas somam R$ 37,5 mil. O mesmo deverá ocorrer com Dilma, multada até agora duas vezes pelo tribunal, num total de R$ 10 mil.

 

A última multa de Lula, de R$ 7,5 mil, foi aplicada pelo ministro Henrique Neves. O motivo foi o discurso no evento do 1.º de Maio organizado pelas centrais sindicais em São Paulo. Em sua fala, o presidente afirmou que deixaria o cargo no fim do ano e defendeu o "sequenciamento" do governo.

 

Recursos. Quem é multado pela Justiça Eleitoral pode recorrer inúmeras vezes, adiando o pagamento por anos. Além de recorrer ao próprio TSE, o político punido pode reclamar até no Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Depois de uma decisão definitiva e quando não há mais possibilidade de recurso, o político tem, em tese, de pagar a multa. Se não paga, a quantia é incluída na dívida ativa da União.

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Há um componente extra que pode salvar os políticos multados: em eleições anteriores, foram aprovadas leis pelo Congresso concedendo anistia. O assunto foi discutido em 2002 pelo Supremo, que não viu inconstitucionalidade na concessão desse benefício aos multados.

 

Em 2006, Lula foi condenado a pagar a multa de R$ 900 mil por causa da edição do tabloide de 36 páginas Brasil, um país de todos, em dezembro de 2005, no qual foi feita propaganda das realizações do governo federal. De acordo com o relator do caso na época, ministro José Delgado, o tabloide fez "louvor aos feitos do chefe do Poder Executivo, longe de se caracterizar como propaganda de cunho educativo".

 

"Reconheço a direta responsabilidade do presidente da República pela concretização da propaganda, uma vez que a responsabilidade pela publicação e distribuição é da chefia da Casa Civil, de seu secretário-geral e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, órgãos sob as ordens diretas do representado", afirmou o ministro na ocasião. O advogado Márcio Silva, que atua no caso, observou que o TSE precisa ainda julgar um recurso contra a punição. Atualizada, a multa pode chegar a R$ 1 milhão.

 

Promoção pessoal. Já Alckmin foi multado em R$ 21,2 mil pelo TSE por conta da propaganda partidária veiculada pelo PSDB em junho de 2006. O programa teria sido usado para promoção pessoal do então pré-candidato à Presidência. Segundo a jurisprudência do TSE, o objetivo da propaganda partidária é divulgar os programas e ideais dos partidos e não fazer propaganda de candidatos.

 

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Em março de 2002, o plenário do STF rejeitou ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a Lei 9996, de agosto de 2000, que anistiou as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral nas eleições de 1996 e 1998. Foram beneficiados pela anistia candidatos que foram multados pela Justiça Eleitoral, além de eleitores que não votaram nem justificaram ausência e integrantes de mesas receptoras que não atenderam à convocação.

 

No julgamento, o então presidente do STF Marco Aurélio Mello foi contra a decisão. Segundo ele, a lei era um incentivo para que a Justiça Eleitoral não fosse cumprida, acabava "com os freios inibitórios das fraudes eleitorais" e partia "para o campo do faz de conta". "Esta lei não é revestida de razoabilidade, é contrária ao regime democrático e instaura o verdadeiro incentivo a que não sejam cumpridas as leis nas eleições, e estamos agora próximos de uma eleição que se anuncia trepidante", disse o ministro na ocasião.

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