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Manifesto condena uso da Base de Alcântara pelos EUA

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Por Agencia Estado
Atualização:

Diversas entidades, advogados e políticos se reuniram nesta segunda-feira, em São Paulo, para lançar um manifesto nacional contra a aprovação do acordo de salvaguardas tecnológicas assinado pelo Brasil com o governo dos Estados Unidos para uso da base de lançamento de foguetes de Alcântara pelos norte-americanos. O acordo prevê a cessão da base temporariamente para os Estados Unidos lançarem foguetes e satélites da base brasileira. "A instalação provocou um deslocamento das populações quilombolas (descendentes de quem mora em quilombos) da região e seu uso prevê mais transferências das comunidades locais", explicou Maria Luísa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, uma das entidades envolvidas. "Entendemos que esse acordo é nocivo aos interesses do País, é um contrato inadmissível, que não compartilha resultados, restringe direitos e a participação brasileira nas pesquisas espaciais", completou Luiz Eduardo Greenhalgh, deputado federal (PT-SP) e advogado. Fome Segundo Maria Luísa, quando a base foi instalada, em 1980, uma área de 52 mil hectares foi desapropriada, e 500 famílias, na maioria descendentes de quilombolas que sobreviviam da pesca e agricultura de subsistência, foram removidas. "Eles praticavam o cultivo coletivo, tinham roças coletivas, mas foram deslocados para agrovilas em que o lote é individual, por família, as terras são impróprias para agricultura, e eles não tiveram assistência técnica nem acesso a crédito. As pessoas estão morrendo de fome", disse ela. Segundo ela, as comunidades locais estão com medo porque está prevista a transferência imediata de mais 400 famílias da região por causa de uma ampliação das atividades na base, o que deverá ocorrer se o acordo com os EUA for aprovado. Além da preocupação com as famílias, há também o impacto ambiental de tais alterações, uma vez que a base está situada na Amazônia. Genocídio A Rede Social entrou com processo junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para impedir que se faça o acordo com os EUA, baseado nos interesses dessa população que será transferida e da situação das pessoas que já foram removidas de suas terras. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA abriu oficialmente o processo e pediu ao governo do Brasil esclarecimentos, que já foram prestados. A Rede Social enviou uma réplica à resposta federal, e os documentos estão sendo avaliados pela OEA . No processo, a entidade brasileira pede que a comissão exija que o governo federal determine que as áreas remanescentes de quilombos sejam protegidas, evitando assim a expansão da base. "Trata-se de um acordo que fere o direito à vida dessas comunidades, é um genocídio étnico. Esperamos que dessa forma também possamos barrar o acordo", disse Maria Luísa. O governo federal adotou medidas para ajudar essa população, como o Programa de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável, coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), que controla a base e pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Essas iniciativas têm servido para cooptar algumas lideranças, muitas escolhidas a dedo, e são paliativas", comentou ela. Faltam escolas De acordo com Maria Luísa, as obras de infra-estrutura necessárias para os moradores locais não foram feitas: a estrada de acesso é precária, a maioria das pessoas não tem luz elétrica em casa, só há um posto de saúde para atender toda a região, poucas escolas foram construídas e, quase sempre, por iniciativa da população local, e são apenas voltadas para o ensino de primeiro grau. As famílias não podem construir novas casas ou aumentar a área construída, e as famílias mais jovens, assim como os adolescentes que querem estudar no segundo grau, são obrigados a ir para a cidade. "As iniciativas do governo servem apenas para tentar desestruturar o movimento de resistência e apaziguar o ânimo de algumas pessoas", analisou ela. Outros países Maria Luísa disse que alguns países que fizeram acordos parecidos com os EUA estão tendo problemas. "Já sabemos quais as conseqüências em situações onde os EUA já operam", afirmou. Ela afirmou que, em Porto Rico, a população local enfrenta os mesmos problemas dos quilombolas no Maranhão, o que originou protesto de pessoas famosas e de parlamentares. Os políticos do Congresso da Costa Rica se manifestaram contrários ao acordo que os EUA tentam fazer com o governo local para uso de sua base militar. Maria Luísa disse que, no Equador, houve um problema de autoridade militar, porque os Estados Unidos podem bloquear o espaço aéreo da região da base. Segundo o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, o acordo faz restrições indevidas às decisões brasileiras. Em um documento distribuído aos congressistas brasileiros em agosto de 2001, o MCT rebateu as críticas de que o controle de Alcântara seria dos EUA . No documento, o MCT diz que haverá controle apenas temporário de técnicos das empresas autorizadas pelos EUA e que trabalham nos projetos de lançamento, e não presença militar dos norte-americanos. No entanto, não há um instrumento que diga que o Brasil pode ter acesso aos nomes e cargos dessas pessoas escolhidas pelos EUA. No documento, o MCT alerta que, caso não se assine o acordo, o País perderá US$ 300 milhões, estima o governo. Também prevê que 25% das receitas desses acordos sejam revertidos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Controle O problema, para Greenhalgh, é a proporção da área de controle e a forma como ele será feito, pois não permitirá que o Brasil saiba quem vai trabalhar na base nem o que será trazido ao País. O governo federal diz que o controle dos EUA será restrito às áreas envolvidas: veículos de lançamento, naves espaciais, equipamentos afins, dados técnicos e áreas restritas ? onde estão sendo montados e testados os equipamentos por exemplo. A essas áreas, só poderá ter acesso quem for autorizado pelo governo dos EUA. Para o deputado, essa área de controle dos EUA, em virtude da atividade norte-americana, será muito maior do que a que estará sob controle brasileiro. Soberania Nelas é exigido uso de crachá, que também será feito pelos norte-americanos, ao contrário do que disse o documento enviado aos parlamentares pelo MCT, que afirma que a emissão de crachás será do governo brasileiro. O Brasil só controlará as áreas e o acesso às regiões da base que não estejam ligadas às atividades norte-americanas. 0 resto ficará sob controle daquele país, e só pessoas autorizadas por eles poderão entrar. Os EUA também poderão instalar câmeras de vídeo ou outros meios eletrônicos para monitorar as atividades. "Isso fere a soberania nacional", apontou Greenhalgh. Um outro exemplo dado pelo deputado é o parágrafo que estipula que o governo brasileiro não pode aplicar os recursos obtidos com a cessão temporária da base em pesquisas espaciais. Na prática, segundo o MCT, esses recursos entram para o Tesouro Nacional e não há como saber onde eles serão aplicados. "Mesmo que na prática essa cláusula não se aplique, ela é inadmissível, é uma ingerência um outro país dizer ao Brasil o que fazer ou não com seu dinheiro", criticou ele. Checagem Na carta em que procura esclarecer os pontos polêmicos junto aos parlamentares, o MCT afirma que a checagem dos equipamentos será feita na presença de representantes do Ministério da Defesa, da AEB, da Secretaria da Receita Federal e da empresa importadora, mas isso não está explícito no acordo de salvaguardas. Apesar de Alcântara ter status de alfândega, a Receita Federal - ou qualquer outro departamento ou pessoa - não poderá abrir os contêineres que tiverem equipamentos para o lançamento, apenas os norte-americanos o farão. O governo brasileiro só exige que os EUA repassem um documento assinado pelas empresas licenciadas pelos EUA que garanta que todos os equipamentos que estão em solo brasileiro sejam apenas voltados para as atividades do lançamento. O deputado se diz favorável ao uso comercial de Alcântara, mas em sistema de parceria e não com as restrições impostas pelos EUA, que não permitem o acesso do Brasil aos resultados das pesquisas. "Acho que o país com quem estamos negociando deve estar no mesmo nível tecnológico que a gente, e deve existir compartilhamento de programas e resultados de pesquisa, semelhante ao que a Ucrânia quer fazer com o Brasil", afirmou ele. Além da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, participaram do ato desta segunda-feira representantes do movimento nacional da campanha contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca) e do Movimento dos Atingidos pela Base, que enviou uma moradora e líder da região de Alcântara, Dorinete Serejo Moraes, para participar do protesto em São Paulo.

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