Manari se livra de pior IDH, mas não da miséria

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Por Angela Lacerda
Atualização:

MANARI - Ana Paula da Conceição, o marido João José dos Anjos, e os filhos Natália, Roberto e Luzimara - de seis, cinco e três anos - ainda não haviam comido nada. Luana da Conceição, de três meses, era a única que já havia se servido do peito magro da mãe. Num tosco fogão a lenha, no terreiro atrás da casa de piso de terra, Ana cozinhava feijão puro - doação de um vizinho que serviria de alimento para o dia.

 

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"Ontem só tomei café", contou ela, analfabeta, encabulada, sem saber dizer a própria idade. Eles moram no sítio Bebedouro, área rural de Manari, município que ficou famoso nacionalmente no início da década passada por ter o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. Desde então, alvo de programas governamentais, Manari não mais detém o incômodo título. Mas a miséria persiste.

 

Ana não recebe Bolsa Família. "A gente tenta há quatro anos", diz João José, 27 anos, que trabalha na roça, como a maioria dos 18.038 habitantes do município. Planta feijão e milho "na terra dos outros" e fica com metade. Nem sempre a produção dá para o sustento. "Dá desgosto", diz.

 

Maria da Paz da Conceição, 48 anos, cinco filhos, sorri com a boca meio fechada para esconder os "caquinhos" de dente que lhe restam. Ela nunca foi a um dentista. O marido, Ivanildo Mangueira da Silva, também luta na terra pela sobrevivência e não se preocupa com o fato de o filho de11 anos não saber ler, embora frequente a escola municipal, onde faz a terceira série. "A caneta dele é a enxada", minimiza, ao lembrar que o menino o ajuda e já sabe manejar o instrumento de trabalho.

 

Com uma vida cheia de limites, os sonhos também são limitados. Maria ficaria feliz se tivesse um fogão a gás. Geladeira é objeto de desejo - mas supérfluo, pois não teria o que pôr dentro.

Município sem saneamento básico, banheiro é artigo de luxo em Manari, a 380 quilômetros de Recife. Na zona rural, ninguém parece sentir falta de sanitário e papel higiênico. No Sítio Bebedouro, onde se localiza um lixão a céu aberto, a falta de higiene fica mais visível: moscas e ratos costumam dividir espaço nas casas, cujo mobiliário se resume basicamente a camas velhas.

 

Ficar doente e não ter assistência nem como se comunicar. Ir para a escola e não ter merenda nem livros. Receber treinamento de manejo de galinhas ou de apicultura e não ir adiante por falta de recursos. Ter água no subsolo e não poder explorar. "Isso também é miséria", afirma José Limeira, 40 anos. Líder comunitário dos sítios Carnaúba, Umbuzeiro e Aguada, que reúne 84 famílias.

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Josefa Cícera da Silva, 24 anos, com filhos de três, quatro e cinco anos, conta que as duas crianças mais velhas andam cerca de três quilômetros para ir à escola municipal. Ela nunca fez um exame pré-natal na vida. Por conta da casa sem reboco, diz que os filhos estão sempre "doentinhos".

 

Para lavar roupa e tomar banho todos se servem da água de aparência suja de barreiros - alguns a mais de um quilômetro de suas casas. Essas mulheres, assim como outros moradores do Umbuzeiro receberam, no dia 15, certificado de um curso de avicultura básica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ministrado em um dia. "Esse papel aqui (a apostila) a gente vai guardar de lembrança", diz Arlete, ao lado do grupo reunido próximo à casa de Limeira. "Não tem como botar na prática."

 

Fracasso. Cícero Francisco da Silva, 51 anos, é professor da escola municipal do Umbuzeiro, que tem 55 alunos. Conta apenas com o manual do professor e escreve a matéria das várias séries para as crianças copiarem, já que só dispõem de caderno e lápis. A merenda, segundo ele, é suficiente para oito dias. No restante do mês, não há lanche. Afirma contar nos dedos os alunos que ensinou ao longo de quase três décadas que conseguiram superar a linha da miséria. "É um fracasso", afirma.

 

Em 2000, a renda média de Manari era de R$ 41,14. Dez anos depois, atingiu R$ 210,44. O comércio, ainda fraco, cresce e começa a sair da informalidade. O número de famílias beneficiadas com o Bolsa Família chega a 3.025. O acesso à cidade foi asfaltado.

 

"Não somos mais o que éramos", diz, otimista, o vereador Cícero de Oliveira Santos (PSB). Cita melhoria da autoestima do povo e geração de oportunidades para as famílias de Manari - uma cidade que não oferece atrativos ou desperta encanto em quem nela chega. Seu prefeito, Otaviano Martins (PSDB), não mora lá nem dá expediente na prefeitura. O Estado tentou contato com ele, por telefone, sem sucesso.

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