''Luta contra lavagem virou prioridade internacional''

Personagem decisivo para extradição de Cacciola, ele diz que falta de acordos bilaterais não impede cooperação entre países

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Por Sônia Filgueiras
Atualização:

O diretor dos Serviços Judiciários de Mônaco, Phillipe Narmino, cujo empenho foi decisivo na operação que extraditou o ex-banqueiro Salvatore Cacciola para o Brasil, acha que mesmo sem acordos jurídicos formais a cooperação entre os países na solução recíproca de crimes é viável. "Se há confiança, é possível avançar", diz. Segundo ele, o diálogo com o Brasil foi "fácil". Narmino é uma das principais estrelas do seminário internacional Os Novos Caminhos da Cooperação Jurídica Internacional, promovido pelo Ministério da Justiça, que começa hoje. Ele falou ontem ao Estado, logo após sua chegada a Brasília. Condenado à revelia no Brasil por gestão temerária, Cacciola passou anos morando na Itália, protegido de uma extradição por ter também nacionalidade italiana. Foi preso e extraditado quando passeava em Mônaco, embora o Brasil ainda não tivesse um contrato de cooperação jurídica bilateral fechado com aquele país. As autoridades brasileiras consideram a extradição do ex-banqueiro Salvatore Cacciola um marco. Mônaco vê o caso da mesma forma? Sim, porque foi um caso em que a noção de Estado de Direito agiu com o máximo de força. Pela sua magnitude, foi um caso que exigiu recursos e grandes esforços. E veja que a cooperação foi um acaso. Porque Cacciola resolveu tirar férias e ficar em um hotel em Mônaco, ela foi possível. Se ele tivesse optado por um hotel em Nice (cidade vizinha, na França) ela não teria acontecido. O sr. vê maior interesse dos países em cooperar para combater certas práticas, por exemplo crimes contra a administração pública? Para nós não faz diferença a natureza do crime. A cooperação, quando demandada, se dá dentro de todos os domínios. O original no caso Cacciola é que não temos com o Brasil muitos instrumentos bilaterais de cooperação. Mas, para nós, a ausência de instrumentos bilaterais não impede a cooperação. É possível conduzir as negociações por um acordo de reciprocidade, como ocorreu. A reciprocidade é um fundamento quase natural nas relações internacionais. Trata-se de cortesia internacional. O sr. diria que ainda hoje há muitos obstáculos à cooperação jurídica na solução de crimes? Quando não existe a convenção internacional multilateral ou bilateral, prevalece a negociação de país para país e, nesse caso, a comunicação se torna um pouco mais complicada. É necessário passar pelos canais diplomáticos, pelas embaixadas, em um primeiro momento. Mas mesmo nesse caso é possível agir rapidamente. Se o país que demanda a cooperação deixa clara a urgência, podemos ser ágeis. Somos um país pequeno, não temos uma grande administração. Foi fácil o diálogo com o Brasil? Sim. Muito fácil. Sobre o que falará no seminário? Eu defendo a tese de que não é absolutamente necessário que existam acordos e convenções firmados para haver uma boa cooperação. Se há confiança, boa vontade, interesse em cooperar, é possível avançar. Mesmo com tratados em vigor, se não existe interesse, há muitas formas de tornar o processo lento. Exigências burocráticas podem se tornar obstáculos. O sr. acredita que a expansão do terrorismo e dos crimes de lavagem empurraram o mundo para uma maior cooperação? Certamente. A tragédia de 11 de setembro de 2001 provocou e apressou a assinatura de muitas convenções internacionais e bilaterais. Também no início dos anos 2000 os Estados perceberam que a lavagem de dinheiro poderia colocar em perigo a democracia. A luta contra a lavagem virou uma prioridade internacional. E o combate à lavagem de dinheiro necessariamente passa pela cooperação entre os países. O Conselho da Europa impôs aos 47 Estados-membros que mudassem suas legislações e fizessem com que elas ficassem semelhantes. Mônaco, por exemplo, teve de tornar suas leis mais abrangentes.

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