Lula lança livro sobre ''''crimes da ditadura''''

Pela 1.ª vez, documento oficial acusa regime por crime contra humanidade

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Por Vannildo Mendes e BRASÍLIA
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje às 15 horas, no Palácio do Planalto, do lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, sobre crimes contra militantes políticos durante a ditadura militar. Aborda período de 1961 a 1988, quando o País já estava em processo de redemocratização. Organizada pelo secretário nacional de Direitos Humanos, ministro Paulo Vannuchi, a publicação reabre feridas ao acusar, pela primeira vez em documento oficial, as forças de repressão por crimes contra a humanidade - como torturas, decapitações, esquartejamentos, estupros e ocultação de cadáveres de vítimas do regime. O livro propõe que sejam cobradas explicações das Forças Armadas, cujos comandos receberam a obra em silêncio. Alguns órgãos representativos da categoria, como o Clube Militar, preparam nota de repúdio à publicação. Para Vannuchi, não há razão para temores. "O livro tem objetivos humanitários, sinaliza a busca da concórdia e o sentimento da reconciliação nacional", disse. "Nenhum espírito de revanchismo ou nostalgia do passado será capaz de seduzir o espírito nacional, mas também o silêncio e a omissão não ajudam na superação de um passado que ninguém quer de volta." O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que comanda a área militar, não quis se manifestar antes de conhecer a publicação. O lançamento, segundo Vannuchi, marca os 28 anos da publicação da Lei de Anistia e os 12 anos de trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, criada no governo Fernando Henrique Cardoso. Na época em que o colegiado foi criado, em 1995, Jobim era ministro da Justiça e coordenou a elaboração do texto. HISTÓRIA A obra recupera a história de mais de 400 militantes políticos atingidos nos anos de chumbo. "É um trabalho histórico, em que o Estado reconhece os direitos dos familiares dos mortos e desaparecidos", disse o presidente da comissão, Marco Antônio Barbosa. "O livro significa o resgate da memória, da verdade e, portanto, da justiça, sem revanchismo. Foi um trabalho de Estado, não de governo." O livro relata que a maioria das mortes de militantes se deu em prisões, "sob intensas torturas". Alega que os depoimentos tomados nas Forças Armadas até agora não foram suficientes para localizar os corpos das vítimas, um direito sagrado dos familiares, para em seguida sugerir a criação de uma instância administrativa permanentemente e aberta, destinada a interrogar policiais e militares envolvidos, direta ou indiretamente, nos episódios. Sob a coordenação de Jobim, o governo editou em 1995 - transformado em lei em dezembro do mesmo ano - decreto que criou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Os objetivos eram reconhecer formalmente cada caso, aprovar a reparação indenizatória e buscar a localização dos restos mortais que nunca foram entregues para sepultamento. No governo Lula, a lei teve a sua abrangência ampliada e praticamente se concluiu o exame de todos os casos apresentados. INDENIZAÇÕES Formada por representantes de órgãos do governo, das Forças Armadas, do Ministério Público Federal, dos familiares dos mortos e desaparecidos e da Câmara, a comissão analisou, investigou e julgou 339 casos, garantindo a indenização de 221, além dos 136 já constantes no anexo da lei. Desses, 118 casos foram indeferidos. O levantamento de informações foi feito por familiares e advogados, com base em depoimentos de outros presos, de agentes do Estado, pessoas envolvidas no processo de repressão e em documentos encontrados em arquivos públicos, abertos a consulta. As indenizações foram de, no mínimo, R$ 100 mil e a maior de R$152.250,00 - paga à família de Nilda Carvalho Cunha, morta aos 17 anos de idade. FRASES Paulo Vannuchi Secretário nacional de Direitos Humanos "O livro tem objetivos humanitários, sinaliza a busca da concórdia e o sentimento da reconciliação nacional" Marco Antônio Barbosa Presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos "O livro significa o resgate da memória, da verdade e, portanto, da justiça. Foi um trabalho de Estado, e não de governo"

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