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Lula exonera general que criticou Comissão da Verdade

General Maynard Santa Rosa perdeu o cargo de chefe de Pessoal do Exército após carta publicada na internet

Por Tania Monteiro
Atualização:

Disposto a abafar o mais rápido possível novo foco de crise nas Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva endossou nesta quarta-feira, 10, a decisão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de exonerar o general Maynard Marques de Santa Rosa, do cargo de chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército. O general Santa Rosa criticou, em carta publicada na internet, a Comissão da Verdade, criada pelo governo para investigar crimes de violação aos direitos humanos durante o regime militar.

 

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Santa Rosa classificou-a como "comissão da calúnia", dizendo que ela era composta por "fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime para alcançar o poder". Lula, que é comandante em chefe das Forças Armadas, afirmou que o afastamento do general era necessário para que "fique claro que não vai aceitar" este tipo de comportamento.

 

O artigo do general Santa Rosa estava circulando na internet havia um mês e já era de conhecimento do ministro Jobim. Mas na quarta-feira, 10, com a divulgação de trechos da carta pelo jornal Folha de S.Paulo, Jobim entendeu que a opinião do general se tornara pública demais. Ou seja, não poderia mais ser considerada como opinião particular, como alegara o militar.

 

Jobim, então, conversou por telefone com o comandante do Exército, general Enzo Peri, que estava em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Segundo nota do próprio Ministério da Defesa, "diante do caso, o Comandante do Exército sugeriu que a providência solicitada pelo Ministro fosse a exoneração do Oficial-general, proposta aceita e imediatamente encaminhada à apreciação do Presidente da República".

 

Embora o fato não tenha agradado aos militares, principalmente porque a maior parte comissão é repudiada por todos, que concordam com as afirmações de Santa Cruz, não deverá haver desdobramentos internos. Os oficiais-generais da ativa não devem se manifestar em defesa de Santa Cruz, porque a maior parte entende que o ministro da Defesa tinha "comprado a briga" dos militares contra as posições consideradas radicais do secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. Ou seja, os militares entendem que o assunto foi bem conduzido por Jobim e que o próprio presidente Lula resolveu a questão da melhor forma possível, modificando trechos do documento, que desagradavam a caserna.

 

Este é o segundo embate do general Santa Rosa com o ministro Jobim. Ele era chefe da Secretaria de Política e Estratégia e Assuntos Internacionais (SPEAI) do Ministério da Defesa, quando, em depoimentos no Congresso, criticou as ONGs que atuam na Amazônia, que acabou colaborando para a criação da CPI das ONGs. Também discordou do emprego do Exército ao lado da Polícia Federal contra os posseiros e residentes da Reserva Raposa Serra do Sol. Esses posicionamentos lhe custaram o cargo na Defesa e Santa Cruz foi devolvido ao Exército para a chefia do Departamento Geral de Pessoal, para cuidar de questões burocráticas, longe de ações de comando. Desta vez, não foi poupado. Exonerado do cargo, ele permanecerá adido ao Gabinete do comandante, sem função, até 31 de março de 2010, quando completa 12 anos de generalato e será compulsoriamente transferido para a reserva, fato que ocorreria mesmo sem o incidente.

 

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O ministro da Defesa já se desentendeu com outro general do alto comando: Luiz Cesário da Silveira Filho, ex-comandante Militar do Sudeste, no Rio de Janeiro. O general Cesário repudiou a edição do livro Direito à Verdade e à Memória, editado pela Secretaria de Direitos Humanos, de Vanucchi, e provocou uma crise militar. Só que, neste caso, contava com o apoio de seus colegas de farda que condenavam o fato de o governo federal estar apoiando a edição de um livro que, para eles, resgataria a história de forma distorcida. Apesar das críticas, o general Cesário não foi punido com a perda do cargo.

 

Assim que soube do texto do general Santa Cruz, Lula avisou que precisava conversar com Jobim. Antes do início da posse do novo ministro da Justiça, no CCBB, Jobim procurou o presidente para lhe informar que decidira afastar o general. "É isso mesmo que tem de fazer", endossou Lula, que avisou que assinaria a exoneração dele, imediatamente.

 

Na quarta-feira, o general Santa Cruz, já sabendo da sua demissão, almoçou normalmente no Quartel Geral do Exercito, ao lado de outros generais. Embora um pouco abatido, confidenciava que não tinha nada a perder e que tudo que afirmara no texto, era sua convicção.

Leia abaixo a íntegra do texto do general:

 

"A verdade é o apanágio do pensamento, o ideal da filosofia, a base fundamental da ciência. Absoluta, transcende opiniões e consensos, e não admite incertezas.

 

A busca do conhecimento verdadeiro é o objetivo do método científico. No memorável “Discurso sobre o Método”, René Descartes, pai do racionalismo francês, alertou sobre as ameaças à isenção dos julgamentos, ao afirmar que “a precipitação e a prevenção são os maiores inimigos da verdade”.

 

A opinião ideológica é antes de tudo dogmática, por vício de origem. Por isso, as mentes ideológicas tendem naturalmente ao fanatismo. Estudando o assunto, o filósofo Friedrich Nietszche concluiu que “as opiniões são mais perigosas para a verdade do que as mentiras”.

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Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa.

A História da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar trinta mil vítimas por ano no reino da Espanha.

 

A “Comissão da Verdade” de que trata o Decreto de 13 de janeiro de 2010, certamente, será composta dos mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o seqüestro de inocentes e o assalto a bancos, como meio de combate ao regime, para alcançar o poder.

 

Infensa à isenção necessária ao trato de assunto tão sensível, será uma fonte de desarmonia a revolver e ativar a cinza das paixões que a lei da anistia sepultou.

 

Portanto, essa excêntrica comissão, incapaz por origem de encontrar a verdade, será, no máximo, uma “Comissão da Calúnia”.

 

Gen Ex Maynard Marques de Santa Rosa"

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