Lula chega a Genebra sob protesto de ONGs

Organizações acusam Brasil de ter abandonado vítimas de violações

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Por Jamil Chade e GENEBRA
Atualização:

Sob duros protestos de ativistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderá hoje, na ONU, uma postura de não entrar em choque com regimes que violam os direitos humanos, sugerindo que soluções para crises sejam "negociadas e dialogadas". Lula fala pela primeira vez no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, enquanto organizações não-governamentais de todo o mundo acusam o País de abandonar as vítimas de violações. Na semana passada, o Estado revelou a mobilização de 35 ONGs antes da chegada de Lula a Genebra. Cartas foram enviadas à ONU e ao próprio governo cobrando uma mudança na postura do Brasil. O motivo é o padrão adotado pelo País em votações de resoluções na ONU, saindo em apoio ao governo do Sri Lanka, bloqueando investigações internacionais, evitando condenar a Coreia do Norte e não tomando posições mais duras contra Congo. Um comportamento considerado como ambíguo ainda foi tomado em resoluções sobre a situação no Sudão, onde já morreram 300 mil pessoas. O ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, rejeita a crítica das ONGs e garante que o Brasil não apoia nenhum país do mundo onde haja violações de direitos humanos. "Não é verdade que não condenamos as violações no Sudão", afirmou. Mas o governo também se recusa a partir para um enfrentamento. "Não vamos distribuir certificados de mau comportamento para países", disse o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. A avaliação do governo é de que um isolamento de países onde existem problemas acabaria agravando ainda mais a situação. Já os ativistas alegam que o Brasil abandonou os princípios de direitos humanos e está usando o fórum da ONU para atender a interesses políticos. "O Brasil optou por fazer do conselho uma ponte de negociações políticas. O Conselho de Direitos Humanos não é o Conselho de Segurança da ONU. O Brasil está politizando o fórum e negligenciando as vítimas de violações de direitos humanos", disse o diretor jurídico da Conectas, Oscar Vilhena. A Anistia Internacional também defende essa tese e pede uma mudança por parte do Brasil. O governo rejeita a crítica. "Iraque e Afeganistão mostraram que o unilateralismo e invasões não funcionam. Por isso, o presidente Lula defenderá o multilateralismo, o diálogo e terminará seu discurso apontando a importância de sentar e negociar. Temos de aprender a conviver com diferenças de posições sobre formas de resolver problemas", disse Vannucchi. "O local da ONU para discutir guerra não é aqui." Nesta semana, as ONGs acompanharão de perto se o Brasil votará a favor ou não do fim do trabalho de uma relatora da ONU para investigar as violações de direitos humanos no Sudão. Cuba, Paquistão e outros países africanos defendem a eliminação do cargo. O Itamaraty argumenta que vem lutando exatamente para garantir que o conselho não se torne um instrumento político de alguns países nem acabe sendo uma espécie de tribunal para condenar nações mais frágeis. A ideia do Brasil, segundo a diplomacia, é fortalecer o organismo por meio do diálogo e da cooperação, e não por meio de acusações. "Há restrições ao fato de o Brasil não ter assumido uma posição de ficar distribuindo certificados de bom comportamento ou de mau comportamento pelo mundo afora. Não é essa a tradição da política brasileira", afirmou Garcia. "Nos organismos internacionais, sempre tivemos uma postura de abstenção para evitar politização de casos", ressaltou o assessor, insinuando que nenhum governo teria moral para isso. Garcia defendeu a criação de um órgão sul-americano de direitos humanos, exatamente para "pautar a conduta" da região no que se refere ao tema. "Nós achamos que é mais importante uma ação de caráter positivo que conduza um país à melhoria de direitos humanos que uma ação contrária. Bloqueios e sanções têm efeitos contrários", disse. Mas os argumentos não convencem as entidades da sociedade civil, que se dizem "consternadas" com a posição adotada pelo Brasil. A própria ONU criticou indiretamente o comportamento brasileiro. A porta-voz das Nações Unidas, Marie Heuze, afirmou que a reunião do conselho sobre o Sri Lanka havia sido "um fracasso total". O Itamaraty explicou que era hora de dar uma chance ao governo do Sri Lanka. Vannucchi lembrou que a ONU também erra. MENSAGEM Em seu discurso, Lula ainda reconhecerá as "insuficiências" das políticas brasileiras de direitos humanos para lidar com a realidade interna e admitirá que as violações continuam existindo. Mas vai tentar mostrar os avanços e insistir na relação entre os direitos humanos e os direitos econômicos e sociais. "A agenda de direitos humanos (no Brasil) ainda é complicada. Mas fizemos progressos", disse Garcia. Para ele, o respeito pelos direitos humanos também passa pela ampliação de direitos econômicos e sociais. Isso significa a adoção de políticas de inclusão social. "Se direitos sociais não são respeitados em um país, por mais ampla e democrática que seja agenda, sempre esbarra em uma limitação muito grande", disse.

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