Livro-caixa de Zeca é ''''chocante''''

Integrante de força-tarefa que apura mensalão de ex-governador afirma que documento apreendido mostra desvio de recursos

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Por Fausto Macedo
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O livro-caixa que indica os caminhos do suposto mensalão do Zeca do PT é "documento que impressiona, chocante", na avaliação de Clóvis Amauri Smaniotto, promotor de Justiça com 15 anos de experiência que integra força-tarefa do Ministério Público para rastrear o governo do petista José Orcírio Miranda dos Santos, que administrou o Estado entre 1999 e 2006. Para Smaniotto, o livro "é um forte indicativo de verba pública desviada, de contabilidade paralela, que não entrava na contabilidade oficial". O promotor disse que todos os políticos, servidores e outros profissionais citados no diário serão chamados para depor. São cerca de 100 nomes, que Salete Terezinha de Luca inseriu nas páginas ao lado de valores que teriam sido pagos pelo mensalão. Salete foi assessora executiva da Secretaria de Coordenação-Geral de Governo, onde teria sido montado o caixa 2. A agenda de capa preta que abala o PT foi achada na casa de Salete. O promotor repudiou a linha de defesa de Zeca, que atribui ao Ministério Público "espetáculo midiático" e acusações "precipitadas, sem fundamento". "O trabalho do Ministério Público é corriqueiro, impessoal, apolítico e apartidário", afirmou Smaniotto. "Estamos diante de um caso complexo, grave, sério, que a sociedade tinha que tomar conhecimento principalmente porque envolve políticos e autoridades eleitas pelo povo para administrar dinheiro público." Contra o ex-governador foram apresentadas duas denúncias à Justiça, por peculato e uso de documento falso, crimes que o ex-governador teria praticado por meio de "grandioso esquema" de desvio de verbas de publicidade. A base da investigação são depoimentos que Ivanete Leite Martins prestou em troca dos benefícios da delação premiada - ela poderá receber o perdão judicial se indicar com precisão os outros protagonistas da fraude. Ivanete foi assessora da Secretaria de Coordenação-Geral do governo Zeca, onde teria sido montada a trama. O promotor Clóvis Smaniotto contou como teve início a investigação por meio da qual o Ministério Público levou Zeca do PT ao banco dos réus. O que é mais importante nos relatos de Ivanete? O mais importante, o mais chocante é quando ela conta que tudo o que fazia era a mando do secretário Raufi Marques (Coordenação-Geral de Governo) e com o conhecimento do governador (Zeca do PT). Ela trabalhou 8 anos na assessoria, tinha funções importantes e bem definidas. Não é uma simples testemunha. Mas ela não voltou atrás em suas revelações? Inicialmente, ela gravou uma entrevista para o jornalista Adair Martins, do Diário do Pantanal. Foram 55 minutos e 50 segundos de entrevista onde fez as primeiras denúncias e contou como operava o esquema de desvio de dinheiro da publicidade, com uso de notas frias e pagamentos de comissões por fora. O Ministério Público saiu a campo para verificar. Obtivemos uma cópia do DVD com a entrevista de Ivanete, que dizia ter provas daquilo que apontava, disquetes, documentos, livros, etc. Nos primeiros depoimentos à promotoria ela reafirmou tudo. Depois ela recuou. Não sabemos se sofreu algum tipo de pressão. Mas isso não alterou nada. A Justiça nos autorizou a realizar uma série de buscas. Foram executadas duas operações, a primeira em residências e escritórios de envolvidos, inclusive de Raufi Marques. A outra foi direcionada para as gráficas onde coletamos diversos documentos reveladores. Começamos a cruzar informações, intimar novas pessoas. As provas estão aí, os depoimentos estão aí, são suficientes para a ação. O livro-caixa não pode ser uma fraude, com inclusão de nomes de inocentes? O livro é um indicativo. Não é só com base nele que se pode denunciar as pessoas à Justiça. Daí a necessidade de uma investigação aprofundada, criteriosa. Pessoas ali citadas podem explicar que efetivamente prestaram algum tipo de serviço, podem exibir notas correspondentes e justificar o recebimento de algum valor. Está certo. Mas aí precisa verificar quem pagou com verba desviada. O esquema pode ter pago serviços realmente executados, porém com verba pública que não tinha contabilidade oficial, era paralela. E por que era assim? Por interesse público ou interesse privado? Ou interesse de um grupo de pessoas para se manter no lugar? Qual o tamanho do rombo? A testemunha revelou que durante a época em que trabalhou no governo foram gastos aproximadamente R$ 130 milhões com publicidade e que desse volume um grande porcentual foi desviado. Ainda não sabemos qual foi esse porcentual. Mas estima-se que R$ 30 milhões podem ter sido desviados. Notas fiscais que apreendemos comprovam as irregularidades. São centenas. Todos os nomes apontados serão chamados para depor durante a investigação. Ivanete afirma que o ex-governador tinha conhecimento. Além da confissão de Ivanete, o que há de concreto contra Zeca? Há documentos rubricados por ele, autorizando liberação de recursos para agências contra as quais identificamos provas de irregularidades contratuais, inclusive com uso de notas fiscais frias. Nesses documentos, ele dá o "de acordo". O ex-governador nega desvios e diz que sua administração chegou a firmar um termo de compromisso com o Ministério Público para disciplinar gastos de publicidade. Esse termo foi celebrado com o Executivo e com o Legislativo para evitar que isso acontecesse, que fossem usadas verbas públicas em grande quantidade nessa área. Limitou-se um valor, mesmo assim não se impediu as fraudes. Formalmente, o ex-governador é acusado por quais crimes? A conduta do denunciado (Zeca) se ajusta aos tipos penais do peculato e do uso de documento falso. Existe o peculato-desvio e o peculato-apropriação. O desvio é quando o administrador cuida do dinheiro e usa para outras finalidades diversas daquela que deveria aplicar. A apropriação é quando o agente põe o dinheiro público no bolso. Ele tem o dinheiro sob sua responsabilidade e fica com o dinheiro. Por meio de seu advogado de defesa, Newley Amarilla, o ex-governador acusa o Ministério Público de autoritarismo e de patrocinar um ?espetáculo midiático?. Existe espetáculo midiático quando existem atores que provocam uma situação como essa, que não foi provocada por nós. Os atores não somos nós, promotores. Os atores são quem desviou. Muito preocupante seria que tudo isso acontecesse e ninguém ficasse sabendo. Ainda mais diante da gravidade dos fatos. Zeca do PT critica o fato de nem ter sido chamado para depor. Não foi chamado porque entendemos que não havia necessidade. As provas que encontramos são suficientes para que ele seja processado. Não é verdade alegar que necessariamente toda pessoa que vai ser processada tem que ser ouvida durante a investigação. Há muitos casos na Justiça em que acusados não chegam a depor. Não há que se falar em investigação vaga só porque não foi ouvido. Mesmo porque é a fase inicial de um processo. Na Justiça todos serão ouvidos. Zeca sustenta que o Ministério Público não tem legitimidade para fazer investigação criminal. A apuração foi realizada pelo Unicoc, Unidade Integrada de Combate às Organizações Criminosas. O Unicoc foi criado pelo próprio ex-governador para investigar organizações criminosas. Agora não pode investigar? Cada um fala de acordo com seus interesses.

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