Lira reafirma eleições em 2022 e Braga Netto nega falar via interlocutor; Estadão mantém informações

Pressão de ministro da Defesa a presidente da Câmara para que Congresso aprove voto impresso foi revelada pelo jornal

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Foto do author Weslly Galzo
Foto do author Lauriberto Pompeu
Por Camila Turtelli , Weslly Galzo e Lauriberto Pompeu
Atualização:

BRASÍLIA – Depois de o Estadão revelar a ameaça que um interlocutor do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, levou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressitas-AL), condicionando a realização das eleições de 2022 à adoção do voto impresso, o líder da Câmara se manifestou para dizer que o pleito ocorrerá no ano que vem e que as eleições serão realizadas normalmente, por meio do “voto popular, secreto e soberano”.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados. Foto: Luis Macedo/Agência Câmara

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Já o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, afirmou que “não se comunica com os Presidentes dos Poderes, por meio de interlocutores”. Disse, ainda, que se trata de uma “desinformação que gera instabilidade entre os Poderes da República, em um momento que exige a união nacional”. O Estadão mantém as informações publicadas.

Como mostrou o Estadão, no último dia 8, uma quinta-feira, Lira recebeu um duro recado de Braga Netto, por meio de um interlocutor político. O general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso. Ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Ao receber a ameaça, Lira considerou o recado grave e procurou o presidente Jair Bolsonaro. Teve uma longa conversa com ele, no Palácio da Alvorada. De acordo com relatos obtidos pelo Estadão, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.

Pelo Twitter, Arthur Lira procurou não se manifestar sobre a ameaça que recebeu. “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”, escreveu. “A últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar”.

No início da manhã, Braga Netto chegou a classificar as informações como “invenção” ao ser questionado por jornalistas sobre o assunto. Depois, por meio de nota oficial, amenizou o tom. Ele declarou que “o Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição”.

Ao comentar especificamente sobre o voto impresso, tema que foi levado por seu interlocutor a Arthur Lira, o ministro da Defesa defendeu a proposta, que é pauta central nos planos do presidente Jair Bolsonaro. “Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias”, afirmou. “A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo Federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema.”

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A nota afirma ainda que a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira “são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do País e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”. Ao ler seu posicionamento, antes da publicação da nota, Braga Netto disse que o fazia após ser "autorizado pelo Presidente da República".

Como mostrou a reportagem, no último dia 7, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior curtiu um post no qual um internauta pedia intervenção das Forças Armadas para aprovar esse sistema. “Comandante, obrigado pelo canal de comunicação. Precisamos do voto impresso auditável. Vocês precisam impor o voto auditável”, dizia a mensagem. A nota do Ministerio da Defesa não faz comentário sobre esse fato.

Como revelou o Estadão, Lira recebeu o recado do interlocutor de Braga Netto no dia 8 de julho. O presidente da Câmara considerou o recado dado por Braga Netto como uma ameaça de golpe e procurou Bolsonaro. Teve uma longa conversa com ele, no Palácio da Alvorada.

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De acordo com relatos obtidos pela reportagem, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional. Líder do Centrão, bloco que dá sustentação ao governo no Congresso, Lira assegurou que iria com Bolsonaro até o fim, com ou sem crise política, mesmo se fosse para perder a eleição, mas não admitiria golpe. Bolsonaro respondeu que nunca havia defendido um golpe.

Ainda pela manhã, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, se pronunciou por meio de nota em suas mídias sociais, ressaltando que a sociedade está “mobilizada em favor da democracia”. “Conversei com o Ministro da Defesa e com o Presidente da Câmara e ambos desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições. Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, escreveu. O Estadão mantém as informações publicadas e entrou em contato com o TSE para uma entrevista com Barroso, que também é ministro do Supremo Tribunal Federal, mas ainda não obteve resposta. Barroso tem sido alvo de ataques diretos de Bolsonaro, que o acusa de ter articulado a rejeição à PEC do Voto Impresso no Congresso. A votação da proposta deve ser retomada em agosto, após o recesso parlamentar. Bolsonaro chegou a ofender Barroso, classificando-o como “imbecil”.   

De acordo com Pacheco, "decisões sobre o sistema político-eleitoral do Brasil cabem ao Congresso Nacional, desde a discussão de formas de financiamento de campanhas e voto impresso ou eletrônico. As medidas devem ocorrer “com respeito às divergências e à vontade da maioria”.

Na postagem nas redes sociais, Pacheco reforçou a importância das eleições. Segundo o presidente do Senado, elas representam “a expressão mais pura da soberania do povo” e, sem isso, não há democracia. “O País não admite retrocessos.”

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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), diz que eleições periódicas são inegociáveis Foto: Divulgação

No último dia 9, Pacheco chegou a fazer um pronunciamento que chamou a atenção. À época, o presidente do Senado classificou de “inimigo da Nação” quem estava se apresentando contra a realização das eleições de 2022. “É inimigo da Nação e alguém privado de algo muito importante para os brasileiros, que é o patriotismo.”

Nota de João Caminoto, diretor de jornalismo do Grupo Estado

“Diante das diversas reações, considero importante reafirmar na íntegra o teor da reportagem publicada hoje no Estadão sobre os diálogos do ministro da Defesa. O compromisso inabalável do Estadão segue sendo a qualidade jornalística e o respeito ao Estado de Direito.”

Nota de Arthur Lira, presidente da Câmara

“A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano. As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar.”

Nota do Ministério da Defesa

Em relação à matéria publicada em veículo de imprensa, no dia de hoje, que atribui a mim mensagens tentando criar uma narrativa sobre ameaças feitas por interlocutores a Presidente de outro Poder, o Ministro da Defesa informa que não se comunica com os Presidentes dos Poderes, por meio de interlocutores.

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Trata-se de mais uma desinformação que gera instabilidade entre os Poderes da República, em um momento que exige a união nacional.

O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição. A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do País e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro.

Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias.

A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo Federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema.

Walter Souza Braga Netto Ministro de Estado da Defesa

Nota do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso

Conversei com o Ministro da Defesa e com o Presidente da Câmara e ambos desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições. Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia.

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Nota do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco

Decisões sobre o sistema político-eleitoral, formas de financiamento de campanhas, voto eletrônico ou impresso, entre outros temas, cabem ao Congresso Nacional, a partir do debate próprio do processo legislativo e com respeito às divergências e à vontade da maioria.

Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discusão. Isso é inegociável. Elas irão acontecer, pois são a expressão mais pura da soberania do povo. Sem elas não há democracia e o país não admite retrocessos.