Licitações de comida para Defesa são alvos de denúncias de fraude e conluio entre empresas

Casos de compras suspeitas feitas por meio de pregão eletrônico são levadas ao TCU e à PGR; pasta diz que segue ‘os ditames previstos na legislação em vigor’

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Uma série de licitações realizadas pelo Ministério da Defesa, por meio de pregão eletrônico, está marcada por transações que podem envolver fraudes e conluio entre empresas cadastradas para fornecer produtos alimentícios. As denúncias de quatro casos com indícios de irregularidades foram levadas ao Tribunal de Contas da União e ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

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Um dos casos foi identificado em Guaratinguetá, no interior de São Paulo. Entre 2020 e 2021, três empresas de um único grupo familiar fecharam vendas de mais de R$ 19,4 milhões com as Forças Armadas. Desse montante, R$ 11,7 milhões estão ligados a processos de concorrência direta ocorrida entre as próprias empresas do grupo. Trata-se de empresas de pequeno porte, que funcionam até mesmo dentro de apartamento.

Somente no ano de 2020, as três empresas dessa família venceram 137 processos de compras de produtos alimentícios promovidos pelo Comando da Aeronáutica, com itens que somam R$ 13,9 milhões. Os indícios listados nas denúncias sugerem que essas pessoas jurídicas são, na realidade, uma única empresa que tenta se passar por licitantes diferentes, concorrendo entre si. O intuito seria fraudar a disputa real e fazer com que os itens sejam vencidos por eles mesmos.

Cerimônia do Ministérioda Defesa no Rio, em 2016; um dos pregõescitados envolve compra feita peloComando da Aeronáutica Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Dos R$ 13,9 milhões contratados com as três empresas em 2020, mais de R$ 7,7 milhões se deram por processos de competição entre si. Em 2021, esse grupo já venceu 62 processos de compras de produtos alimentícios, que somam R$ 5,5 milhões. Todos os pregões eletrônicos foram promovidos pelo grupamento de apoio de Guaratinguetá.

Em Taubaté, também em São Paulo, dois empresários apresentam o mesmo endereço de residência para empresas diferentes. Eles concorrem como se fossem empresas distintas nos pregões eletrônicos dos órgãos do Ministério da Defesa, com os mesmos preços e marcas de produtos. Em 2020, disputaram um pregão promovido pela Base de Aviação de Taubaté, o qual tinha valor total de R$ 5,2 milhões em gêneros alimentícios. Desse montante licitado, R$ 1,2 milhão foi vencido pelas duas empresas concorrendo entre si, como se fossem adversárias.

Há ainda outro caso em Caieiras. Em 2020 e 2021, mãe e filha venceram R$ 1,002 milhão em processos de compras do Ministério da Defesa, disputando entre si, por meio de duas empresas diferentes. Elas ofereceram propostas iniciais escritas com valores muito próximos, com diferença de centavos. Depois, passaram para a fase de lances e simularam uma disputa. Ambas têm os mesmos preços e marcas. O layout e formatação das empresas no sistema de compra também são idênticos, elementos que sugerem que os documentos foram elaborados pela mesma pessoa, mudando apenas os dados cadastrais dos licitantes e os timbres.

“O caso em tela trouxe à baila indícios claros de fraude nos processos licitatórios promovidos pelo Ministério de Estado da Defesa. Ademais, os fatos narrados revelam casos de superfaturamento”, afirmam os parlamentares, que pedem abertura de investigação para apurar a conduta de agentes envolvidos nas compras e reparação do patrimônio público.

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As denúncias foram apresentadas por parlamentares do PSB. “O que nos deixou pasmos é que essas empresas concorrem entre como se fossem adversárias”, afirmam, no documento, os deputados Elias Vaz (GO), Alessandro Molon (RJ), Lídice da Mata (BA) e Ubirajara do Pindaré (MA). “Foram encontradas empresas atuando em conluio, visto que quase a totalidade pertence aos mesmos familiares, porém concorrem nas licitações como se fossem empresas diferentes e concorrentes”, afirmam os deputados do PSB, que assinam os pedidos de investigação.

Nas representações, os parlamentares declaram que “há casos absurdos em que pai e mãe são proprietários de uma empresa que é fornecedora das Forças Armadas, porém o filho e a filha também possuem empresas que fornecem os mesmos produtos (gêneros alimentícios) às mesmas unidades militares”.

Questionado sobre as denúncias, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas informaram, por meio de nota, que “seguem os ditames previstos na legislação em vigor, particularmente no que concerne à habilitação das empresas participantes dos certames”. “Reiteramos que os processos licitatórios são transparentes, com utilização das ferramentas institucionais e dos sistemas oficiais de compras do Governo Federal e submetidas à fiscalização dos órgãos de controle, interno e externo, com auditorias regulares.”

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Segundo a Defesa, somente são habilitadas a participar dos certames as pessoas físicas ou jurídicas que atendam à legislação em vigor e aos requisitos definidos nos editais. “Em relação à questão específica de empresas pertencentes a pessoas da mesma família ou controladas por sócios em comum, nos termos da legislação vigente e dos entendimentos do TCU, a detecção da existência de parentesco ou de identidade entre os sócios das empresas em procedimentos de ampla concorrência não configura motivo suficiente para impedir sua participação na licitação”, afirmou a pasta.

O ministério declarou que, “se tais fatos apresentarem indícios de irregularidade, haverá a instauração do competente procedimento administrativo, e, se comprovadas a sua veracidade, os autores serão responsabilizados”.

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