O anteprojeto, elaborado por um grupo de trabalho criado há seis meses e coordenado pelo ministro Martins, prevê, por exemplo, que a agência a ser criada terá poderes para multar empresas que, a seu critério, veiculem programação ofensiva, preconceituosa ou inadequada ao horário. Não tem nada a ver com censura, garantem fontes do governo, pois a punição resultará sempre de um julgamento a posteriori. Que bom!
Já o líder do PSDB na Câmara, deputado João Almeida, não é tão otimista: "Esse julgamento implicará sempre uma manifestação ideológica em relação ao tema. Isso é uma coisa sempre muito perigosa, pode acabar descambando para a censura pura e simples." Essa é também a opinião do senador José Agripino, líder do DEM: "Qualquer tentativa dessas tem que ser vista sempre com muito cuidado. A liberdade de imprensa é uma conquista da democracia. Esse governo tem o cacoete de flertar com o cerceamento da liberdade."
Até onde se sabe, Dilma Rousseff não pretende manter em sua equipe o ministro Martins, ideólogo do "controle social" da mídia, e sua turma. Coerente com as reiteradas manifestações que tem feito de repúdio ao controle de conteúdo na mídia, a presidente eleita parece disposta a mudar o tom do discurso da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. O que implicará contrariar a tendência que predomina nas entidades "de esquerda" que deram o tom, por exemplo, da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada um ano atrás em Brasília por iniciativa do ministro Martins. Essas entidades, na verdade, estão sempre mais à esquerda do que o próprio governo e frequentemente manifestam insatisfação com a "falta de avanços" tanto na regulação da tele e da radiodifusão quanto no controle dos conteúdos da mídia em geral.
Claro exemplo dessa situação é a posição de uma dessas entidades, a Associação Brasileira de Canais Comunitários, manifestada por seu presidente, Paulo Miranda, a propósito da cláusula do anteprojeto da Lei Geral de Comunicação que prevê a criação da ANC. Miranda defende a criação não de uma agência, mas de um Conselho de Comunicação, integrado por representantes da sociedade e das empresas do setor: "Uma agência não nos interessa. Tivemos a promessa do ministro Franklin Martins de que seria prevista a criação de um Conselho de Comunicação." A razão: um conselho permitiria a participação "mais ativa" da sociedade no controle das comunicações, enquanto uma agência reguladora seria apenas "mais um organismo burocrático". O que se almeja, portanto, é algo assim como a "democracia direta". De fato, e não por acaso, a criação de um conselho, e não de uma agência, foi uma das propostas aprovadas por unanimidade na célebre Confecom do ministro Martins.