Leia íntegra do discurso do Delúbio no diretório nacional do PT

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro retirou nesta sexta-feira, 8, o pedido para se reintegrar ao partido. Logo no início da reunião do diretório nacional do PT, Delúbio disse que não é e nem será vítima. "Muito poucos podem dizer, como o companheiro expulso que vos fala: começaria tudo outra vez, se preciso fosse", afirmou o ex-secretário de finanças do PT, que foi expulso do partido no rastro do escândalo do mensalão, em 2005. Mesmo concordando em retirar o pedido da pauta da reunião do Diretório, Delúbio reafirmou sua inocência.

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Por Redação
Atualização:

 

A íntegra do discurso de Delúbio foi extraída do blog Companheiro Delúbio, criado para apoiar sua volta ao partido. A reunião do diretório nacional que decidiria o futuro do ex-tesoureiro do partido também podia ser acompanhado via Twitter, em perfil criado para apoiar Delúbio.

 

Leia a íntegra do discurso:

 

Presidente Ricardo Berzoini,

 

Companheiros do Diretório Nacional do PT,

 

Companheiras e Companheiros,

 

São 38 anos de luta, 30 no PT. Esse é o meu DNA.

 

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Compareço com o pouco que tenho a vos oferecer: toda uma vida na trincheira do único partido ao qual pertenci e ao qual, mesmo tendo sido expulso, paradoxal e ironicamente, ainda pertenço.

 

Penso ser desnecessário relembrar de minha postura de fidelidade e disciplina, de fraternidade e de companheirismo, em todos os momentos de nossas vidas, a partidária e a pessoal. Disso me orgulho tanto quanto a de ter cumprido fiel e integralmente as missões que o partido me delegou.

 

Contrariando a modéstia de goiano simples do interior pobre, que desde a mais remota idade não conheceu senão a luta contra a oligarquia, em seu Estado, e a ditadura, em seu país, confesso a impagável paz de espírito de ter podido chegar até o dia de hoje sem trair meus compromissos partidários, meu credo ideológico, minhas alianças políticas, minhas convicções pessoais e um profundo e sincero sentimento de solidariedade para com todos os meus companheiros.

 

Fui assim desde sempre. Ainda menino, senti o peso da injustiça e constatei, filho de um pequeno agricultor, a desgraça do latifúndio improdutivo e o drama das mulheres e homens da terra que não tinham terra.

 

Estudante na cidade grande, dividi meu tempo entre os livros e a luta. Sentí, com a clareza dos simples, a brutalidade do regime em que vivíamos. Fui combatê-lo.

 

Nas salas de aula, sobrevivendo com o salário miserável dos que ensinam num país onde o analfabetismo grassa de forma vergonhosa, dividi conhecimentos e alimentei sonhos.

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Na vida sindical, cerrando fileiras com meus companheiros professores, encontrei a possibilidade concreta de lutar pelas bandeiras que ainda hoje, passadas décadas, continuam justas e atuais.

 

Fundei esse partido. Tempo faz. Éramos alvo da descrença de uns, da zombaria de outros. Contamos nos dedos de uma das mãos os companheiros de então. Nos da outra, os votos conquistados num início que era só fé e pura teimosia.

 

Muitos poderão dizer que valeu a pena. Mas muito poucos podem dizer como o companheiro expulso que vos fala: começaria tudo outra vez, se preciso você.

 

Não há glória maior que a de se saber guerreiro fiel dos ideais acalentados na alma. A ficha de filiação, em assim sendo, vale menos do que a convicção de que todo sofrimento é nada diante da grandeza do ideal.

 

Companheiras e companheiros do PT,

 

Não creio que seja obra da má-sorte, dos astros ou simplesmente do destino, nem quem sabe das maquinações dos inimigos de sempre, a dura quadra pela qual passei e ainda hoje - menos que ontem - passo.

 

Ingênuos são os que crêem na atividade política ou na luta social, nos embates entre concepções ideológicas e nas disputas pelo poder, sem que se pague o preço da opção exercida.

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Não fui, não sou e nem serei vítima. Recuso e dispenso esse papel menor .

 

Em todos os momentos de minha vida como professor, como sindicalista e, especialmente, como fundador e militante do Partido dos Trabalhadores, soube dos riscos e das dificuldades. Não fui um alegre, um néscio, um ingênuo.

 

Escolhi os caminhos a serem percorridos e aceitei os riscos da luta.

 

Mas não fui, senão, em todos os instantes, sem exceção, fiel cumpridor das tarefas que me destinou o PT.

 

Dediquei minha juventude e renunciei a boa parte de minha vida pessoal, para servir ao partido, lutar suas lutas, sonhar os seus sonhos, sofrer as suas derrotas. E o fiz, exclusivamente, por decisão pessoal, íntima, irrevogável.

 

E devo confessar-lhes que me arrependo de não ter dado ainda mais, muito mais, até a medida da exaustão, no limiar do cansaço, por saber que fui feliz e me realizei em cada passeata, em cada sala de aula, em cada assembléia sindical, em cada campanha eleitoral, em cada jornada de luta, em cada esforço em busca do possível ou do impossível.

 

Portanto, quem vos fala, meus companheiros, é um homem sem rancor, sem ressentimentos, sem medo e sem ódio.

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Tragado ao centro de uma crise de proporções históricas, onde tudo se fez e nada se poupou na tentativa de desestabilizar o presidente que elegemos e seu governo de transformações sociais, mantive a integridade de caráter e a fidelidade ao PT e aos meus companheiros.

 

Diante de uma platéia como essa, defenestrado pelo partido que fundei, preferi as lágrimas à revolta. Estava certo. Vivi minha tragédia pessoal resignando-me com a dureza do destino que me era imposto.

A fatura da eleição de um presidente petista, mais cedo que tarde, nos seria cobrada.

 

Alguns petistas a estão pagando, com o preço da proscrição política, da desmoralização pessoal, da marginalidade social, da incompreensão ou da ingratidão de companheiros sinceros, mas equivocados.

 

Pago o quinhão que me foi destinado ao lado de José Dirceu e de outros poucos companheiros, cujas companhias enobrecem, mas não confortam, já que gostaria de estar sozinho, somente eu, apenas minha singularíssima pessoa de matuto goiano e petista renitente, enfrentando o pelotão de fuzilamento moral dos adversários que derrotamos, dos interesses que contrariamos, de certa parte da mídia e - desgraça das desgraças - de uns poucos petistas que erraram e erram, em avaliação rasa, imediatista, eleitoreira e desprovida de razão.

 

Não faz muito tempo companheiras e companheiros de todo o Brasil, militantes da base partidária ou parlamentares, prefeitos e governadores, gente que vem de nossa fundação e jovens que sequer haviam nascido naquele histórico, longínquo e inesquecível ano de 1980, passaram a articular um movimento em defesa de meu retorno aos quadros do PT.

 

Aí estão, nas mãos de todos, aos olhos do país, nas páginas dos jornais e nos noticiários de rádios e TV's, um número expressivo de manifestações nesse sentido. Trazem em seu bojo a marca grandiosa da solidariedade política e do caráter moldado pela coragem.

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Gente que em sua imensa maioria nada me deve, de mim nada recebeu, nem teve para comigo convivência pessoal ou jamais obteve meu apoio, cerra fileiras em torno de meu reencontro formal com o PT.

 

E esses apoios me comoveram e estimularam. Percorri o caminho da volta, procurando todos os que se dispuseram, como Eduardo Suplicy, a escutar-me, a colocar suas posições e debater a conveniência ou não, a oportunidade ou não, o merecimento ou não, da volta meramente escritural de um companheiro que sublimou a expulsão injusta e humilhante em nome do sentimento elevado e puro que destinou e ainda destina ao PT.

 

Ainda ontem as adesões me alegraram. Acreditava, mesmo com a absoluta ausência de triunfalismo que sempre cultivei, que as vitórias ainda tímidas, mas significativas, que tenho alcançado em diferentes Cortes de Justiça, sinalizassem para todos o avanço que constato em minha luta diuturna e sem descanso para a superação de todos os obstáculos.

 

Entretanto, com o debate que se estabeleceu e em justa medida oxigenou o partido, afloraram argumentos contrários. Vários deles extremamente respeitáveis e colocados de forma clara. Mantive a única postura que me cabia: aceitá-los e debate-los democraticamente, não deixando nada sem resposta.

 

Outros se comprometeram, empenharam suas palavras, estimularam minha postulação, penhoraram seus apoios, garantiram seus votos. E isso me bastava: para um homem do interior, a palavra empenhada vale mais que documento com firma reconhecida.

 

Também se manifestaram, sem a clareza dos que vieram à luz combater-me, os que diziam acreditar que eu devo, posso e até, exageradamente, "tenho direito" a voltar aos quadros do PT. Mas, "só depois das eleições". Minha presença, esclareceram-me, antes de tal data poderia trazer inevitável desgaste eleitoral para o partido e seu projeto presidencial.

 

Porquê 2011 se Delúbio de hoje é o Delúbio de 1980 e será o Delúbio de amanhã?

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Esse argumento não aceito. Não é digno de minha consideração por não ser válido.

 

Não creio que se possa construir ou consolidar partido algum sem que a honestidade intelectual, a pluralidade na discussão e a clareza de posições se façam presentes a todo instante.

 

Não pretendo ser motivo de qualquer divisão interna, muito menos causar discórdia por conta de uma postulação política que muitos dizem ser pessoal, a de voltar ao PT. Nem devo causar tipo algum de embaraço aos companheiros que se colocaram, corajosa e generosamente, a meu lado no presente debate.

 

Se tanto lutei pelo PT, por qual obscuro motivo iria agora provocar qualquer divisão interna? Não devo, não posso, não quero.

 

Continuarei a trilhar o duro caminho da luta, não o tendo por calvário, mas por missão.

 

Minha honestidade pessoal, conhecida pelos petistas e por todos os que comigo conviveram e convivem, já foi posta a prova em diversas oportunidades.

 

Durante oito longos anos, representando a Central Única dos Trabalhadores, participei da gestão do CODEFAT. Vivíamos no governo de Fernando Henrique Cardoso.

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Por lá circularam cifras astronômicas. Em um desses anos, respondi diretamente pela gestão de tais recursos. Em valores atuais a soma chega a impressionantes 10 bilhões de dólares. O Tribunal de Contas da União, aprovou de forma cabal e definitiva as contas de minha gestão.

 

Na única oportunidade em que o dinheiro público esteve ao alcance de minhas mãos, tanto o TCU quanto os nossos adversários constataram a seriedade com que lidei com ele.

 

Do que me acusam? Quantos são os políticos brasileiros que realizaram campanhas eleitorais sem que alguma soma, por menor que fosse, não tenha sido contabilizada?

 

Porquê insistem em distribuir condenações e atribuir culpas se quando o financiamento público de campanhas se faz claramente necessário, há a inevitável recusa em debater o tema?

 

Companheiras e Companheiros,

 

Não sou vítima. Aos 53 anos de idade, trago o coração de um jovem com a esperança de um mundo melhor.

 

Iniciei por desprezar o papel piégas de vítima. Termino por renunciar a qualquer ressentimento ou mágoa. Não tenho tempo para isso.

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Vivi nesse partido os melhores anos de minha vida: os anos da luta e da esperança.

 

A maioria absoluta dos que se aprestam a impedir meu retorno ao PT, não contribuiu em nada mais do que eu para a construção do partido que os abriga.

 

Sinceramente falando, não desejo a nenhum companheiro que passe pelo que passei frente ao furacão que me tragou.

 

Há a necessidade de uma discussão honesta e transparente, apenas no âmbito partidário, sem interferências externas equivocadas. Elas, sim, são inoportunas, não o meu retorno!

 

Agradeço aos companheiros que me apoiaram e me estimulam.

 

Respeito os companheiros que se colocaram contra minha postulação de forma clara e transparente.

 

Discutirei os caminhos a serem trilhados com Mônica, minha amada e grande companheira, meus leais companheiros de Goiás, meus amigos da CUT, meus familiares, meus companheiros do PT e milhares de pessoas que nem conheço e me emocionaram com a grandeza do apoio desinteressado, da generosidade que surpreende e gratifica.

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A eles, só a eles, a mais ninguém, pertence a minha honra, a minha história e o meu futuro.

 

Obrigado.

Brasília, 08 de maio de 2009.

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