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Jornalista Washington Novaes morre aos 86 anos

Novaes foi um dos pioneiros na cobertura de meio ambiente e povos indígenas no Brasil

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Por Redação
Atualização:

O jornalista Washington Novaes morreu na noite dessa segunda-feira, 24, em Aparecida de Goiânia,  aos 86 anos.  Um dos pioneiros na cobertura de meio ambiente e povos indígenas no Brasil, Novaes não resistiu a complicações de uma cirurgia para a retirada de um tumor no intestino descoberto em março.

“Eu e meus irmãos ficamos órfãos de um pai extremamente generoso, mas acho que também muita gente fica órfã de uma referência para o jornalismo brasileiro, um pioneiro do jornalismo ambiental que trouxe para a grande comunicação as pautas ambiental e da defesa dos povos indígenas”, disse ao Estadão o cineasta Pedro Novaes.  Além de Pedro, Novaes deixa os filhos Marcelo, Guilherme e João, a mulher, Virgínia, e sete netos. 

O jornalista Washington Novaes em foto publicada em 2008 Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Novaes passou pelas principais redações do País, como O Estado de S. Paulo, Veja, Folha de S.Paulo, TV Globo, como editor do Jornal Nacional e do Globo Repórter, Rede Bandeirantes e TV Cultura. No Estadão, publicou artigos na seção Espaço Aberto entre 1997 e 2019. Em texto de outubro de 2018, com o título O clima esquenta, a agropecuária sofre, escreveu: "Aquecimento global, atingindo todos os continentes, todos os países, todos os viventes, não é problema que possa ser enfrentado apenas sacudindo os ombros e seguindo em frente com um assovio. Os preços são altos. Por mais que os 'céticos do clima' neguem os efeitos desastrosos, eles estão diante dos olhos de quem queira ver. E afetam o bolso dos produtores".

Seu último texto no Estadão foi publicado em 11 de janeiro do ano passado, logo no início da gestão Jair Bolsonaro, que em um de seus primeiros atos transferia, via Medida Provisória, a Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura. A decisão foi depois revertida e o órgão indigenista permaneceu no Ministério da Justiça. Novaes usou seu artigo para falar que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil havia ingressado com uma representação na Procuradoria-Geral da República na tentativa de suspender o dispositivo. "A iniciativa dos índios é mais do que justificada: os defensores de causas indígenas consideram a decisão do presidente da República sobre essa transferência de competências uma 'declaração virtual de guerra', uma vez que, no seu entender, estão na agricultura os seus maiores opositores", escreveu.

"Suas colunas no Estadão eram verdadeiras aulas de meio ambiente que invariavelmente constrangiam os poderosos indiferentes à causa do desenvolvimento limpo, inteligente e sustentável. Suas séries de TV (especialmente as que revelaram o universo cultural dos indígenas do Xingu e o pesadelo do acúmulo de lixo no planeta) inspiraram muita gente a pensar e agir de outro jeito", afirmou o jornalista André Trigueiro, editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da GloboNews. "O Brasil perdeu o mais importante pioneiro do jornalismo ambiental."

Novaes foi um dos primeiros a abordar temas como aquecimento global e sustentabilidade muito antes de essas se tornarem palavras– e desafios – do nosso dia a dia. Em 2002, lançou o livro A Década do Impasse, uma compilação de 82 artigos escritos por ele entre abril de 1988 e junho de 2002 sobre temas como a perda de recursos naturais, água e saneamento, energia, mudanças climáticas e os biomas brasileiros, em especial a Amazônia. Também foram contempladas as duas grandes conferências sobre o desenvolvimento sustentável, a Rio-92 e a Rio+10.

O jornalista Fernando Gabeira conversou com Novaes há cerca de duas semanas. "Ele costumava me enviar os artigos, e ultimamente escrevia muito sobre energia solar, entrava em detalhes, inclusive da própria indústria", disse Gabeira, que destaca a profundidade com que o colega tratava dos temas que abordava. "Ele fazia muita pesquisa. Os artigos que escrevia eram realmente trabalhados, acrescentavam muitos conhecimentos. Além do mais, era uma grande figura humana."

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Novaes conquistou o Prêmio Esso Especial de Ecologia e Meio Ambiente, em 1992, por artigos sobre a Eco-92 publicados no Jornal do Brasil, e a medalha de prata no festival de Cinema e TV de Nova York, em 1982, pela direção do documentário Amazonas, a Pátria e a Água, veiculado pelo Globo Repórter

Washington Novaes e Lula Araújo na volta ao Xingu, em 2006 Foto: Marcelo Novaes/Arquivo Pessoal

Um dos trabalhos mais conhecidos do jornalista é a série documental Xingu – A Terra Mágica, que venceu premiações em Cuba e na Coreia do Sul, derrotando o documentarista francês Jacques-Yves Cousteau.  O trabalho também foi selecionado para a Sala especial da Bienal de Veneza, em 1986. 

Pioneiro no pagamento de direitos de imagens aos indígenas brasileiros, Novaes, juntamente com o cineasta Lula Araújo, foi responsável por produzir cenas que deslumbraram o País. Foram dois meses de gravação em 1984, quando a equipe desbravou costumes e ajudou a criar celebridades internacionais, como o cacique Raoni. Mais de duas décadas depois, em 2006, o jornalista e o cineasta voltaram ao local e, testemunhas de mudanças, filmaram cenas e personagens que haviam encontrado antes para o documentário Xingu, A Terra Ameaçada.

"Em 1984, fomos visitar os 'selvagens' achando que éramos civilizados e encontramos a verdadeira civilização, democrática", conta Lula Araújo. "Graças ao Novaes, os índios brasileiros ficaram conhecidos no mundo." Parceiro do jornalista em outros trabalhos, como Kuarup e O Desafio do Lixo, o cineasta afirma que ele sempre esteve à frente de seu tempo. "Foi um guru para mim."

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 Novaes teve uma breve passagem em cargo público – ocupou, entre 1991 e 1992, a Secretaria de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal.

Nascido em Vargem Grande do Sul (SP) em 3 de junho de 1934, o jornalista morava em Goiânia. No Twitter, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), lamentou a morte de Novaes: "Perdemos uma referência no jornalismo ambiental".   

"Espero que nesse momento trágico que a gente está vivendo em todos os sentidos – político, social, sanitário, ambiental e para os povos indígenas – que o exemplo dele possa, de alguma forma, guiar a gente um pouco nessa reconstrução do nosso País", disse o filho Pedro.

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