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Jobim e Vannuchi aceitam ir ao Congresso, diz Jungmann

Ganha força a versão de que o presidente Lula conhecia o texto final do Plano Nacional de Direitos Humanos

Por Rodrigo Alvares
Atualização:

Em meio aos sinais de que o governo irá recuar nos pontos polêmicos do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), ganha força a versão de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conhecia o texto final do projeto, cuja assinatura no fim do ano passado colocou em evidência graves divergências dentro do seu ministério. A questão deve ser esclarecida com a ida dos ministros da Defesa, Nelson Jobim, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, ao Congresso, após a vola do recesso.

 

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Em entrevista ao estadao.com.br nesta terça-feira, 12, o deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário no governo Fernando Henrique, Raul Jungmann (PPS-PE), disse ter conversado com Vannuchi e Jobim e que ambos concordaram em explicar o caso. Os ministros são os pivôs da crise gerada pela proposta de criação de uma Comissão da Verdade, inclusa no texto final do PNDH-3.

 

O deputado, que é presidente da Frente Parlamentar da Defesa Nacional, afirmou ainda ter ouvido de Vannuchi que Lula teria lhe pedido para mudar o trecho que cria a Comissão da Verdade uma semana antes da assinatura do decreto, o que não aconteceu. "Eles já tinham um acordo (com os militares) que deveria ser mantido", afirma o parlamentar. 

 

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Contrariados pela menção à Comissão da Verdade no plano, cujo efeito prático é apurar a reponsabilidade por crimes hediondos cometidos durante a ditadura militar, Jobim e o comando das Forças Armadas ameaçaram se demitir caso o texto não seja revisto. Do outro lado, Vannuchi afirmou que faria o mesmo se Lula cedesse às pressões. 

 

Sobre o impasse na discussão da Lei de Anistia, Jungmann lembra que, ao contrário de outros países que passaram por regimes ditatoriais, no Brasil o processo se prolonga mesmo dentro do regime democrático. A seguir, a íntegra da entrevista que o deputado concedeu ao estadao.com.br.

 

Alguns aliados do governo já avaliam que o decreto dificilmente será votado neste ano. Quais são os próximos passos para que a tramitação no Congresso ande e como ela funcionaria?

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Não será concluída a votação neste ano, eu aposto nisso. O Congresso funciona, na prática, quatro meses, vamos ser objetivos. A gente retorna em fevereiro, leva boa parte do mês refazendo as engrenagens da Casa: lideranças, comissões, vice-lideranças. Esse é um processo de ajuste que leva de 15 a 20 dias e consome o mês de fevereiro praticamente. Você vai votar alguma coisa aqui, alguma coisa ali, mas é evidente que você não vai ter nada de muito impacto estratégico nesse período. Em torno de junho, julho, você está vivendo campanha e tradicionalmente o Congresso entra em recesso branco. Então, na prática, temos três meses e meio para fazer fluir uma pauta que já vem do ano passado e tem vários projetos estratégicos - com destaque para o pré-sal. A chance disso passar neste ano é zero.

 

Os sinais de recuo que o governo tem dado pode ser encarado como uma admissão de que a assinatura do decreto foi um erro político?

A assinatura do decreto, na verdade, representa duas coisas: é um erro político, mas é também uma extraordinária desatenção política ao momento que o País está vivendo. É um momento de eleição, de transição. Eu não acredito que o governo irá queimar muitas velas para um projeto como esse. Isso pode se transformar num problema eleitoral, inclusive.

 

Em quais pontos o projeto se diferencia dos dois textos do governo Fernando Henrique Cardoso e o que teria sido posto em prática a partir deles?

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Você tem muitas similitudes nos tópicos, os conteúdos é que são diferentes. Não adianta dizer que isso é a sequência do 1 ou do 2. Quando você olha no sumário, é verdade. Mas quando vai ver o que está escrito, é rigorosamente muito diferente. O que você tem aí é um índice que retoma os temas do governo FHC e um conteúdo que resgata as decisões do congresso do PT de Olinda no que tange uma série de coisas. Então, isso é um produto híbrido, um esqueleto, por assim dizer. Você tem quatro aspectos que eu chamaria a atenção: a Comissão da Verdade, da maneira como ela foi. Você não vai encontrar nada similar ou sequer parecido nos programas anteriores. Segundo aspecto - e eu não estou me posicionando quanto ao mérito de nada disso - a questão do aborto, das audiências públicas de reintegração de posse - que se sobrepõem à própria Justiça, algo que teria de passar pelo Congresso Nacional - e a questão da censura. São quatro assuntos que significam, no mesmo título, outra coisa. É rigorosamente diverso e é um resgate das mais caras pretensões de uma das alas do PT que predominou em 2002 e que, com o partido no governo, passou a ser reduzidas à sua real dimensão.

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A questão do aborto tem sido criticada por todos os setores. Como o governo poderia lidar com isso?

A principal dificuldade do governo ainda é a militar. Ou seja, os militares estão esperando uma decisão que foi acertada entre o ministro da Defesa e o presidente da República. Essa é a questão maior. De todo jeito, o governo corre o risco, ao enviar o decreto como está, de agradar uma certa base do PT e desagradar militares, Defesa, Igreja, o pessoal do agronegócio e assim por diante. Se ele modifica, perde essa parte do PT que flutua no setor mais à esquerda do partido e ao mesmo tempo se compõe com o outro lado. A escolha do governo é uma "Escolha de Sofia", e ele vai ter de sangrar. Seja qual for a decisão, ele vai ter de sangrar. E sabendo que não há a menor possibilidade de isso passar no Congresso. O ideal, para Lula, seria que esse decreto evaporasse. Isso também não vai poder acontecer, o decreto está publicado no Diário Oficial.

 

Qual o principal entrave para o País discutir a Lei de Anistia?

O processo de anistia do Brasil, diferente de outros países, começa na ditadura, mas se prolonga no regime democrático. Já no governo Sarney, você tem a emenda constitucional 26, que constitucionaliza a anistia do Figueiredo em 1979. Depois, veio a Constituinte. Nela, a anistia foi ampliada e referendada. Se você abrir a Constituição no artigo 8º - que trata da transição -, vai ver que a anistia passou a valer de 1946 até a Constituinte (1988). Ao fazê-lo, você também anistiou os crimes de sangue ou aqueles que foram cometidos pela esquerda que pegou em armas. Depois disso, você tem uma lei de 1996, do governo FHC, que abre a porta para indenizações e reparações, a MP 2151/2001, que cria o regime jurídico dos anistiados - que inclusive gera essas reparações todas e que em parte se transformaram numa indústria desmoralizante. Mexer na anistia politicamente eu acho que não vai acontecer. Agora, cabe ao Supremo decidir em relação a isso. Entretanto, sou favorável à Comissão da Verdade. É um direito que todo mundo tem de saber o que aconteceu com seus parentes próximos ou distantes e que todo o País saiba o que aconteceu.

 

Como ela funcionaria na prática?

O que gerou essa grande crise com os militares? Porque você tinha um acordo, como eu inclusive já narrei de uma conversa que tive com o Vannuchi: quando o Lula estava em Natal, ele passa a determinação para o Gilberto Carvalho, que fala com o Vannuchi e eles decidem fazer a mudança no texto depois. Então, na verdade, eles já tinham um acordo que deveria ser mantido. Se você tem um acordo com os dois lados, que faça com os dois lados. Quem não deve não teme, e o País tem direito de saber o que se passou.

 

Os ministros Tarso Genro, Nelson Jobim e Paulo Vannuchi serão convidados para falar no Congresso?

Vou fazê-lo no dia 2 de fevereiro. O que tenho são os requerimentos prontos, e darei entrada na primeira reunião da Comissão de Relações Exteriores. Avisei o Vannuchi, e ele concordou [em comparecer]. Falei com o Jobim, ele também concordou e não viu nenhum problema. Vamos fazer audiências públicas em momentos separados para entender o que se passou. Em relação à Casa Civil e à Presidência, vou fazer um pedido de informações para sabermos como tramitou o projeto no Palácio do Planalto.

 

Como o senhor avalia a flexibilização das regras de reintegração de posse de terras invadidas?

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É simplesmente...(faz uma pausa), eu não quero ser grosseiro, mas você não pode rasgar ou revogar uma lei preexiste por pura vontade do "príncipe", do "soberano" - no caso, o presidente Lula. Em segundo lugar, se você fizer uma audiência pública, na prática se revoga a reintegração de posse. Você cancela o direito de propriedade, é criada uma extralegalidade. Imagine o seguinte: eu sou o MST e invado sua terra. Via reintegração, é preciso um juiz, um advogado de defesa, um promotor. Um dos problemas disso é tentar chamar as pessoas, identificá-las. Se um juiz falta, não acontece. E isso no interior do País. Quem pensa em uma coisa dessas quer eliminar um direito constitucional das pessoas. Infelizmente, não faz sentido.

 

E qual a sua opinião sobre o controle social aos meios de comunicação?

Aí é pior, porque é a velha e reincidente tentativa de eliminar o outro - no caso, a imprensa, que expressa aquilo que você tem o direito de desqualificar. Na verdade, se quer eliminar a liberdade de expressão. No fundo, é a eliminação do dissenso, e isso faz parte de um universo autoritário. Não faz sentido. Essa esquerda me envergonha. Essa esquerda que continua insistindo nesse tipo de propósito não tem um compromisso democrático. Ela volta e meia tem um surto regressivo, dá um salto para trás.

 

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