Janot não cumprimenta Cunha e avisa que 'holofote' não será desviado

Acusador e acusado da Operação Lava Jato participaram da sessão solene de abertura do Ano Judiciário; cerimônia foi marcada pelo constrangimento após os dois terem se sentado lado a lado

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Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla , Carla Araujo e Daniel de Carvalho
Atualização:

BRASÍLIA - O esperado encontro entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi marcado por recados indiretos e constrangimento. Acusador e acusado chegaram com cinco minutos de diferença no Supremo Tribunal Federal e dividiram a mesma antessala, no aguardo do início da sessão. Durante a cerimônia, sentaram-se lado a lado, mas não cruzaram olhares. 

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Após cumprimentar as autoridades presentes, com menção, por exemplo, ao também investigado presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Janot não citou o nome de Cunha."Excelentíssimo senhor ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF; excelentíssimo senador Renan Calheiros, presidente do Senado Nacional; excelentíssimo ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo, representando a excelentíssima presidente da República; senhoras ministras, senhores ministros, demais autoridades presentes (...)", disse o procurador-geral no início de seu discurso. O silêncio de Janot com relação a Cunha gerou burburinho no plenário da Corte. Desde a abertura de um inquérito contra Cunha pela Procuradoria-Geral da República, o posterior oferecimento de denúncia e desdobramentos da operação Lava Jato que atingiram o parlamentar - como a descoberta de contas na Suíça -, o peemedebista tem direcionado críticas a Janot e acusado o procurador de ser parcial nas investigações. Cunha, que tem sua cadeira na Câmara ameaçada por um pedido de afastamento feito pelo procurador-geral da República, admitiu Janot como seu desafeto público.

Desde o início das investigações da Lava Jato, o procurador tem evitado rebater as críticas do parlamentar e optado pelo silêncio em meio às polêmicas causadas pela investigação. Nesta tarde, no entanto, Janot fez discurso enfático de enaltecimento da Operação Lava Jato e acusou de serem "propositais" e "distorcidas" críticas à condução das investigações pelo Ministério Público. Ele afirmou que a atuação do órgão sempre será pautada pela "impessoalidade e apartidarismo" e disse que a instituição opõe-se a "qualquer tipo de autoritarismo".

"Enganam-se, de forma propositada e interpretam de forma distorcida, aqueles que questionam o nosso cerne. Da mesma forma que elementos podem conduzir nossa atuação ao oferecimento de denúncia, igualmente leva-nos a requerer o arquivamento", afirmou o procurador-geral da República. Ao lado de Cunha, disse que os "holofotes não serão desligados" e estão direcionados à garantia do cumprimento da ordem jurídica. "É isso que a sociedade espera do Ministério Público, ao qual a Constituição adjetivou de público. O que é público é de todos. Não é não pode ser de alguém. (...)Por natureza, não compactuamos ou tergiversamos com o ilícito, com o autoritarismo. (...) Buscamos, simples e só, de forma clara e objetiva, a verdade dos fatos e não de factoides e o seu enquadramento jurídico. Sem evasivas, sem cortina de fumaça", rebateu Janot.

Além de denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Cunha é investigado em um segundo inquérito no STF por conta das contas encontradas na Suíça da qual ele e sua família seriam beneficiários. A expectativa é de que ainda no primeiro semestre de 2015 o STF analise a acusação enviada por Janot no ano passado. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda terá de analisar em breve o pedido de afastamento de Cunha do cargo de deputado federal, feito por Janot dias antes do início do recesso Judiciário, em dezembro.

"O Ministério Público renova sua parceria com o STF sem medir esforços para que o ano de 2016 seja profícuo na colheita de bons resultados que de forma efetiva alimentem a esperança dos que tem sede e fome de justiça e de paz", encerrou Janot. Todos os presentes bateram palmas, à exceção de Cunha. Em meio à saia-justa, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, abriu uma possibilidade pouco usual nesse tipo de solenidade: "Algum dos presentes da mesa deseja fazer uso da palavra?". Cunha, habituado a respostas prontas no Congresso, se manteve em silêncio. Os dois deixaram a Corte sem falar com a imprensa.  

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