Jáder no Senado: o Norte venceu?

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Por Agencia Estado
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Com a eleição de Jáder Barbalho para a presidência do Senado, pela segunda vez em toda a história republicana brasileira um representante do Pará chefia um dos três poderes do país. É a única das três parcelas constitucionais a que um paraense conseguiu ter acesso: os comandos do executivo e do judiciário ainda permanecem inalcançados. Nem o mais empedernido dentre os muitos inimigos de líder do PMDB poderia deixar de reconhecer nesse resultado um componente decisivo da sua capacidade pessoal. Foi o que um antigo adversário (hoje aliado), o ex-senador e ex-ministro Jarbas Passarinho, destacou na mensagem de felicitações dirigida ao homem que voltou a ocupar o lugar que fora, até então, privilégio exclusivo dele - fato objetivo que nenhum dos numerosos anti-Passarinho também não pode negar. Ao derrotar o todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães e se eleger presidente do Senado, Jáder Fontenele Barbalho, aos 56 anos, inscreveu seu nome numa galeria de honra: a dos políticos paraenses que asseguraram sua perenidade no tempo (passando a ser lembrados para sempre) e no espaço (ultrapassando as distantes fronteiras provinciais), tornando-se figuras de grandeza nacional. Essa posição é partilhada por poucos no Pará: Antônio Lemos, prefeito que embelezou Belém no início do século passado, uma época em que a capital paraense era a terceira principal cidade do país graças ao monopólio da borracha; Lauro Sodré, um dos fundadores da República; Magalhães Barata, caudilho que se formou à sombra da ditadura de Getúlio Vargas; e Jarbas Passarinho, um dos raros políticos bem-sucedidos que saíram do quartel a partir do golpe militar de 1964. Não sendo paraenses de nascimento, o primeiro, que era maranhense, e o último, acreano, ambos, contudo, só se tornaram políticos no Pará. Como chefe do poder legislativo, protocolarmente na mesma linha hierárquica dos presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal, Jáder tornou-se o político mais importante do Pará na Quinta República, iniciada em 1985. Desde 1966, quando começou sua carreira política, como vereador de Belém pelo MDB, a oposição no bipartidarismo compulsório, apenas Passarinho é capaz de rivalizar com Barbalho. Mas ninguém venceu tantas eleições, nas quais tornou-se deputado estadual e federal, senador e governador do Estado (por duas vezes), além de ministro no governo Sarney (da Reforma Agrária e da Previdência Social), o único item no qual Passarinho o vence - foi ministro quatro vezes, em três governos diferentes. Jáder só tem uma derrota no seu currículo, que Almir Gabriel lhe impôs em 1998, quando conseguiu reeleger-se governador. Apesar dessa trajetória, há um contexto sem o qual mesmo as mais notáveis qualidades individuais não seriam decisivas. Sete dos oito políticos que ocuparam a presidência do Senado a partir de 1985, com a reabertura política do país e o fim do ciclo de generais-presidentes, foram representantes das regiões mais pobres do país: Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Essa linhagem ?nortista?, conforme a definição tropocêntrica dos ?sulistas?, que acabaram fazendo-a prevalecer, só foi interrompida, entre 1989 e 1991, pelo senador Nélson Carneiro, do Rio de Janeiro (o célebre defensor do divórcio, já falecido). A atual mesa do Senado é toda de ?nortistas?: quatro do Nordeste, dois do Norte e um do Centro-Oeste. Na Câmara dos Deputados a relação não é a mesma. Ao contrário da casa parlamentar vizinha, onde a representação é uniforme (três vagas por Estado, independentemente da população de cada um), na Câmara a definição dos lugares obedece ao critério demográfico, embora sob certa bitola, que compromete seu rigor: mínimo de oito e máximo de 70 deputados por bancada. Esse critério concede mais lugares a Estados pobres, como Acre, Roraima e Amapá, na Amazônia, todos com oito deputados, e menos a São Paulo, o caso mais grave de distorção aritmética. No mesmo período, a presidência da casa foi ocupada por cinco ?sulistas? e três ?nortistas?. Depois de dois mandatos de Michel Temer, de São Paulo, agora é a vez de Aécio Neves, de Minas Gerais. Aos olhos ?nortistas?, seria a restauração da dobradinha do café-com-leite que caracterizou a República Velha, até 1930. Só que o neto de Tancredo Neves divide a mesa da Câmara com seis ?nortistas?, sem um único ?sulista? a acompanhá-lo. Por incrível coincidência, a soma das bancadas das regiões classificadas como pobres (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), de 257 deputados, é exatamente a mesma do conjunto das bancadas do Sul (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). Com uma diferença: a população ?sulista? tem 25 milhões de habitantes a mais do que a ?nortista?. Em São Paulo, cada deputado federal corresponde a mais de 500 mil habitantes. No Amapá, reduto eleitoral do senador José Sarney, essa proporção é quase 10 vezes menor: um deputado para 60 mil habitantes. No Senado, todos os quatro senadores que apresentaram maior número de emendas (20 cada um) ao orçamento federal executado no ano passado eram ?nortistas?: três da Amazônia, inclusive o próprio Barbalho, mais Sarney (maranhense, porém eleito pelo Amapá), e um do Nordeste (Roberto Freire, de Pernambuco). Já na produção legislativa, com menor repercussão imediata e menor materialidade (embora, freqüentemente, com efeitos mais profundos e duradouros), entre os 10 primeiros apenas metade é dos Estados pobres. Os ?sulistas? ocuparam quatro das cinco primeiras posições. No executivo federal, o Sul recuperou a chefia, que permaneceu em mãos ?nortistas? nos dois primeiros mandatos que se seguiram ao fim do regime militar (com Sarney, do Maranhão, e Fernando Collor de Mello, de Alagoas), com Itamar Franco (de Minas, por mera circunstância nascido na Bahia) e Fernando Henrique Cardoso (de São Paulo, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro). Já o parlamento, inclinado em favor das regiões mais pobres, teria a função de estabelecer politicamente um equilíbrio nacional, ou corrigir, através da vontade política, sempre um componente subjetivo, um desequilíbrio que decorre de fatores estruturais, sobretudo econômicos. Esse contexto serve de pano de fundo - ou de simples moldura, conforme o ponto de vista - para ajudar a explicar o notável triunfo do representante de uma unidade menor da federação numa conflagração na qual participavam personagens de muito maior expressão. O ?Norte? é dono do poder político. Mas seria o poder político que conquistou mais do que um poder nominal? Talvez Jáder Barbalho ajude a responder a essa e a outras perguntas que sua vitória pode suscitar. Mesmo sendo apontado como um dos mais célebres exemplos de enriquecimento ilícito na política, conseguido graças ao desvio de recursos dos cofres públicos, ele ultrapassou todos os obstáculos e armadilhas postos em seu caminho. Teve um voto além da metade das cadeiras do senado (41 num total de 81) e bem acima do exigido para ser eleito. Tecnicamente, dispõe de legitimidade e poder para exercer soberanamente o cargo. Mas, segundo analistas políticos, essa será uma legitimidade meramente formal se ele não conseguir convencer a opinião pública de que as máculas do passado são apenas manchas removíveis; ou então que, reais ou não, o que conta a partir de agora é seu comportamento, suas ações. Vai ser fiscalizado como raros presidentes do Senado que o antecederam. Muitos líderes refizeram suas biografias sem precisar negá-las ou retocá-las. O ditador Getúlio Vargas, depois de um lastro de ignomínias no Estado Novo, colocou-se à frente de um programa geralmente considerado, apesar de toda a controvérsia em torno dele, como de verdadeiro estadista, um dos raros da história republicana brasileira, quando voltou à presidência pelo voto popular, em 1950. Foi o único nesse cargo a preferir a morte ao ultraje, a se cansar dos ?jeitinhos? negociados dos quais, antes, fora um mestre. Pode-se esperar isso de Jáder Barbalho? Só ele pode responder, o que, se fizer, o fará contra as evidências do passado e o ceticismo do presente. Em Belém, onde ele nasceu, a grande dúvida consiste em definir qual o peso do esquema montado pelo próprio presidente do PMDB e qual a participação do Palácio do Planalto, cuja intervenção na disputa ? mesmo negada oficialmente ? é mais do que evidente, causa da escalada de ataques de ACM, ao invés de seu arrefecimento. Um dado novo na política paraense resulta, quase por gravidade, desse acerto por cima: a possibilidade de que Jáder e o governador Almir Gabriel, do PSDB, inimigos ferozes na eleição de 1998, dividam o mesmo palanque em 2002. O pombo-correio dessa novidade tem sido o ministro dos transportes, Eliseu Padilha. No cargo, como parte da cota do PMDB no governo e com o aval de Jáder, ele retribuiu partilhando o ministério com o seu companheiro de Senado. Mereceu, por isso, críticas contundentes do governador, que o acusou de reter verbas destinadas ao Pará e protelar obras para favorecer Barbalho e marginalizar a administração tucana estadual. Mas quem melhor do que o próprio Padilha para restabelecer a ligação? O primeiro ensaio foi no início do ano, durante visita que o ministro dos Transportes fez a Belém para inaugurar a duplicação de um trecho da única estrada de acesso à capital paraense. De surpresa, decidiu visitar o governador, levando Barbalho a tiracolo para o primeiro encontro com Gabriel desde a dura batalha eleitoral de 1998. A reação do governador não foi nada amistosa: limitou-se a um cumprimento formal ao senador peemedebista. A conversa foi toda com o ministro ? e curta. Encerrado o encontro, cada um seguiu rumo diferente: Jáder para a inauguração com o ministro, Gabriel para uma visita de inspeção a obras, providenciada à última hora para dar pretexto à recusa a um convite de Padilha para acompanhá-lo. Apesar disso, a ligação telefônica feita de Brasília pelo ministro, na véspera da eleição para a presidência do senado, precedida de arranjos junto ao Palácio do Planalto, foi recebida sem a mesma má vontade. O governador disse nada ter a opor a que o próprio Jáder Barbalho lhe telefonasse, mesmo porque, para o bem do Pará, já orientara ?seu senador? (conforme o slogan da campanha), Luiz Otávio Campos (sem partido e ameaçado de processo no Senado por corrupção) a cotar no candidato do PMDB. Campos, secretário dos transportes na administração anterior, foi preso a mando de Jáder, assim que ele assumiu o governo do Pará pela segunda vez. Jáder ligou, a conversa foi amena por dois minutos e acabou. Nenhum contato pessoal depois, nenhuma mensagem escrita de felicitação. Um próximo encontro só acontecerá se as agendas dos dois principais políticos do Pará no momento estiverem prontas para orientar uma negociação direta entre eles. No temário, diz-se que estarão as grandes obras federais de interesse do Pará (asfaltamento da Transamazônica e eclusas de transposição da barragem da hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo). Mas tudo dependerá de composições políticas para 2002. O governador tem um candidato do peito: é o seu amigo e secretário especial Simão Jatene, que nunca participou de uma eleição. Sempre atuou nos bastidores, principalmente como caixa de campanha. Não ignora, porém, que o nome de Jatene é pesado, de pouco apelo popular. Mas um apoio maciço do PMDB, o partido que se saiu melhor nas eleições municipais do ano passado, poderia compensar a falta de carisma e de atividade política anterior do candidato de Almir. Mesmo porque o senador peemedebista, centralizador ao extremo, não tem nomes para apresentar, além do seu. Se não está nos planos de Barbalho disputar o governo do Pará pela quarta vez, uma composição com o governador poderia reforçar sua reeleição para o Senado, com uma votação capaz de confirmar sua façanha recente e, talvez, credenciá-lo para mais um mandato de presidente da casa. Se Jáder for o coligado para senador e Jatene o candidato comum ao governo, Almir talvez se sacrifique e vá até o fim do seu mandato, voltando um ano e meio depois para disputar a prefeitura de Belém, que já ocupou antes, em 1985, nomeado por Jáder, que era então governador.

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