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J. R. Guzzo: Como cumprir o que pede a OMS?

Há um problema sem solução: trata-se de saber qual decisão da OMS que está valendo hoje, pois ela pode não ser a de ontem; nem os diretores da organização sabem

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Por J.R. Guzzo
Atualização:

Para ser um bom cidadão e um bom patriota, hoje em dia, você precisa obedecer às instruções da Organização Mundial da Saúde em tudo o que diga respeito ao coronavirus. É o que mandam fazer o Supremo Tribunal Federal, o Senado, a Câmara dos Deputados, os artistas da TV Globo e o juiz de São João do Meriti: enquanto a OMS não disser que a epidemia está eliminada, mantenha o máximo possível de “distanciamento social”, não siga nenhuma recomendação médica que não seja aprovada pelos chefes da organização e, principalmente, não discuta.

Não se trata de uma opção, e sim um dever legal. Para dar um exemplo prático: os habitantes da já citada São João do Meriti, no Rio de Janeiro, estão sendo obrigados a manter a quarentena por ordem do juiz local. O prefeito, achando que o que valia era a decisão do STF pela qual só as “autoridades locais”, e ninguém mais, podem tomar medidas quanto a covid-19, liberou as atividades econômicas no município. O juiz proibiu a população de obedecer à prefeitura – mandou seguir o que a OMS diz e, segundo ele, a OMS quer que o comércio de São João do Meriti continue fechado. Não foi o único.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus Foto: Christopher Black/WHO/Handout via Reuters

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Há um problema sem solução nisso aí: trata-se de saber qual seria, no fim das contas, a decisão da OMS que está valendo hoje, pois ela pode perfeitamente não ser a de ontem. Nem os diretores da organização sabem; como, então, a gente poderia saber? 

No começo da epidemia, no final de 2019 na China, a OMS viveu uma intensa fase de “gripezinha que vai passar daqui a pouco”. Disse que o vírus não podia ser transmitido do animal para o homem. Condenou as recomendações de não se viajar para a China. A um certo momento, foi politicamente correto combater o distanciamento. “Abrace um chinês”, recomendava-se nessa época. Depois, à medida em que os mortos começavam a se empilhar, trocaram o sinal e passaram a ser os campeões mundiais da “quarentena radical por tempo indeterminado até a descoberta de uma vacina”. No Brasil, é essa a fase da OMS que está em vigor.

Desde então, a OMS já disse que se deveria testar a cloroquina como possível tratamento para a covid-19. Tempos depois, determinou que todos os testes fossem suspensos. Agora, ao que parece, suspendeu a suspensão e está achando que sim, seria bom testar a cloroquina de novo. Em seu mais recente surto de posições que se contradizem e se anulam entre si, uma diretora afirmou que a transmissão do vírus a partir de pessoas que não têm sintomas “é muto rara”. Um dia depois outro diretor garantiu o oposto – disse que estava “absolutamente convencido” de que há transmissão por parte dos “assintomáticos”, embora não pudesse demonstrar com números a sua afirmação. Então: como cumprir as determinações da OMS se não se sabe se a determinação é essa ou é aquela?

Quando um diretor diz uma coisa e outro diretor diz o oposto, parece haver uma prova provada de que um dos dois está errado, já que não podem ter razão ao mesmo tempo. É possível, ainda, que nenhum dos dois esteja certo. O indiscutível, depois de todo esse tumulto mental, é que a OMS não pode, realmente, garantir que saiba o que está fazendo. Poderia ser apenas um problema dela – mas é um problema concreto para os brasileiros, cujas vidas cotidianas se veem afetadas diretamente por decisões que o STF, o Congresso e mais uma penca de autoridades continuam levando a sério.

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