PUBLICIDADE

''''Isso mostra judicialização da gestão''''

Para especialista, fenômeno decorre do vício de adiar decisões e evitar custo político das escolhas

Por Gabriel Manzano Filho
Atualização:

Entrevista com Carlos Ari Sundfeld: advogado constitucionalista A enxurrada de ações contra o Programa de Aceleração do Crescimento é mais um episódio do avançado processo de judicialização da gestão pública no Brasil. E esta decorre do vício brasileiro de adiar decisões, de evitar a todo preço o custo político das escolhas. "Essa cultura virou método de trabalho na administração pública, e isso é um desastre", adverte o advogado constitucionalista Carlos Ari Sundfeld, um dos maiores especialistas em direito administrativo do País. "As autoridades jogam tudo para a frente, recusam-se a pagar o preço político de decidir um conflito entre duas partes importantes", diz o jurista. A saída, para ele, "é fortalecer o princípio dos precedentes judiciais - fazer valer a súmula vinculante, em suma - e criar políticas legislativas e administrativas claras e consistentes". O PAC já enfrenta 146 ações na Justiça. Por que tanta resistência? Isso mostra o ponto a que chegou a judicialização da gestão pública no Brasil. Há vários foros para debater políticas públicas, eles convivem de modo precário e tudo deságua numa grande quantidade de iniciativas contrárias. As assessorias jurídicas do governo trabalham mal e abrem brechas para os embargos? Há de tudo um pouco. Há, sim, problemas técnicos e razões para polêmica, mas também a judicialização. Esse é um fenômeno mundial: o que está em curso é uma judicialização da vida. No caso do Brasil, isso tem explicações próprias. Primeiro, buscamos demais na legislação as soluções de compromisso - e quase sempre elegemos soluções que adiam a decisão. Por exemplo, numa lei sobre saneamento: o que é municipal, o que é estadual? O texto é feito com base em acordos políticos e as divergências são jogadas para a frente. Por que o processo se agravou? Isso veio junto com a formação de maiorias nos parlamentos: todo mundo quer levar um pouquinho. A negociação é sempre do tipo "ou é assim ou não se aprova". Acabou virando método de trabalho na administração pública, o que é um desastre - pois, desse modo, o País gasta um tempo enorme para fazer qualquer coisa. O que falta, então, é firmeza? Numa sociedade com tantos lobbies, sem firmeza não se vai a lugar nenhum. Hoje, o administrador se sente fraco diante dos obstáculos jurídicos que limitam seus passos. Mas há problemas técnicos e novas realidades sociais também. Há, de fato. Mas também temos uma lei que abre brechas porque ela quer dizer tudo. A legislação ambiental é típica: a sociedade a apóia, mas não quer discutir perdas e danos. A Justiça não perde com isso? A judicialização acaba sendo fonte de crises. Um dos aspectos é que o Judiciário perdeu o respeito pela legislação como valor absoluto, pela segurança jurídica. Os juízes passam a atuar como construtores, buscam novas soluções que segundo eles vão trazer progresso. Não estão no papel deles? A Justiça tem hoje um alto nível de arbitrariedade, de imprevisibilidade. Há juízes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que são militantes ambientais. Outros, consumeristas. Há um forte personalismo, que enfraquece o papel da Justiça.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.