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Isolado, Maia fecha ciclo de 16 anos

Prefeito transmitirá cargo a Eduardo Paes sob forte desgaste, atribuído à ?trombada? dos Jogos Pan-americanos

Por Wilson Tosta e Marcelo Beraba
Atualização:

Quando foi eleito prefeito do Rio pela primeira vez, em 1992, o então deputado pelo PMDB Cesar Maia quase não tinha apoio fora do partido, que o lançara como azarão. Assumiu uma cidade marcada pela desordem dos camelôs e iniciou sua gestão criticando a Usina de Reciclagem de Lixo do Caju, obra milionária entregue por seu antecessor Marcello Alencar (PDT) que rachou e afundou no solo instável. Dezesseis anos depois, no DEM, Maia também entregará a Eduardo Paes, do mesmo PMDB, em 1º de janeiro de 2009, o comando de uma cidade com ruas tomadas por camelôs. E deixará como alvo potencial uma obra de milhões, a Cidade da Música, que lutou para inaugurar antes de deixar o cargo - a construção fora entregue apressadamente, em sinal de decomposição da sua gestão, e o Corpo de Bombeiros vetara sua abertura. Como no começo, Maia está praticamente só. "Sofri um acidente, o carro bateu no meio da estrada, fui para o hospital", diz o prefeito, de 63 anos, em uma metáfora para explicar o desastre - segundo ele, causado por despesas inesperadas com os Jogos Pan-americanos de 2007 - que levou sua administração a tal grau de impopularidade que sua candidata à sucessão, deputada Solange Amaral (DEM), teve 3,92% dos votos, no sexto lugar. Embora avalie que o "castigo" do eleitor já foi dado, Maia reconhece que, se passar pelas ruas da zona sul, a mais rica da cidade, se arrisca a enfrentar constrangimentos. "É capaz de ter sapatada", brinca, em referência ao protesto contra o presidente americano, George W. Bush, por um jornalista iraquiano que lhe jogou sapatos. Nem sempre foi assim. Maia venceu quatro eleições na cidade do Rio de Janeiro de 1992 a 2004. Foi candidato em três. Em uma delas, a de 2004, foi reeleito no primeiro turno, com 50,11% dos votos válidos. Na quarta, a de 1996, fez de um desconhecido prefeito ao lançar Luiz Paulo Conde, que derrotou Sérgio Cabral Filho (então no PSDB), hoje governador. Foram vitórias nascidas do planejamento de que se declara devoto. Na primeira gestão, Maia acumulou caixa de US$ 1 bilhão, deu prioridade ao combate à desordem urbana e espalhou obras pelo município. Recebeu críticas pela economia de recursos, pelos conflitos da Guarda Municipal com camelôs e pelos tapumes que atrapalhavam a circulação. Mas elegeu Conde. De novo, sozinho: o PFL não fez aliança. "É um certo isolacionismo, não sei se tem a ver com a formação dele lá no PDT", diz o cientista político Francisco Moraes da Costa Marques, que em 2003 defendeu na Universidade Federal Fluminense (UFF) a dissertação O Grupo Cesar Maia: Líderes, Partidos e Política no Rio de Janeiro. "E o PDT era um partido completamente dominado pelo (Leonel) Brizola, que parecia não acreditar nas instituições, em ter que dialogar com o parlamento, em permitir correntes internas no PDT. Isso pode ter deixado marcas. Certamente, Cesar Maia tem dificuldade de lidar com outras forças", completou. Liberal com formação de esquerda, Maia foi da Corrente, grupo clandestino do PCB, nos anos 60, e chegou a secretário de Fazenda do governo Brizola, nos anos 80. Em seu primeiro mandato, montou um secretariado basicamente técnico e abriu espaço para políticos jovens, como o próprio Paes, em subprefeituras que criou. Derrotado em 1998 na disputa pelo governo estadual, tentou convencer Conde a não disputar a reeleição pelo PFL em 2000. Fracassou, foi para o PTB e venceu - de novo só. Mas mudou: abriu o governo a políticos, foi reeleito, abandonou factóides como pedir sorvete em açougue e arrefeceu a repressão aos camelôs. Com isso, a bandeira da ordem pública se foi. Mas ele se recusa a admitir que foi derrotado. "Os camelôs perderam", insiste, afirmando que as barracas clandestinas fixas desapareceram - o que não é verdade, como pode ser notado por qualquer pedestre que percorra o centro. A prefeitura, diz, "flexibilizou" sua postura, porque metade da população do Rio não tem carteira assinada. "Você tem que ter alguns elementos de flexibilidade. Deve reprimir na dose certa", completa, em declaração que o Maia de 1993 não daria. O cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), avalia que, até a eleição de 2006, Maia estava bem. "Depois, entrou em curva descendente", afirma. Em 2005, foi lançado pelo então PFL pré-candidato a presidente, e a cidade sofreu uma intervenção federal na saúde, fatos que o prefeito afirma serem ligados. "Ficou mal para ele", diz o pesquisador. PAN Mesmo assim, Maia atribui sua queda de popularidade, basicamente, aos gastos com o Pan. Ele afirma que, de uma previsão inicial de R$ 250 milhões com o evento, teve de desembolsar R$ 1 bilhão, dividido em dois anos, quando a capacidade de investimento anual da Prefeitura do Rio é de R$ 700 milhões. "A prefeitura perdeu capacidade de investimento e de conservação", diz. Ruas sujas e esburacadas, com árvores sem poda e postes com lâmpadas queimadas, repercutiram na imprensa e o desgastaram na classe média. A impopularidade se espalhou pela cidade. A esse desgaste somaram-se outros problemas. A historiadora Marly Motta, da Fundação Getúlio Vargas, cita projetos "que beiram a megalomania", como a Cidade da Música, como parte das "escolhas equivocadas" que erodiram sua imagem. "Tiraram dele o que era sua marca mais famosa, a competência", explica. Prestes a encerrar um ciclo político de 16 anos, o prefeito diz ter mantido a agenda que planejou e aponta a "trombada" do Pan como raiz dos problemas. "Se não tivesse tido essa trombada, teria terminado esse governo como acabei os outros. Mas houve uma desorganização, uma desarrumação, o que vou fazer?" Novamente sozinho - como em 1992, 1996 e 2000 - ele deixa aberta a porta. "Não vou ficar no hospital uma vida inteira", avisa.

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