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Isolado, Barbosa afirma que sai do Supremo de ‘alma leve’

Após presidir sua última sessão, ministro afirma que membros do Supremo não podem ter vínculos com 'grupos de pressão' e descarta carreira política

Por Mariângela Gallucci
Atualização:
Ministro Joaquim Barbosa preside sua última sessão Foto: André Dusek/Estadão

Atualizado às 21h58 - Brasília - Na última sessão de julgamentos como presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa sintetizou o que foi sua gestão no comando da Corte: quebrou protocolos, não fez discursos nem balanços, deixou discretamente o plenário e foi alvo de reclamações de colegas – algumas, privadas, outras públicas. Em entrevista, disse que deixa a Corte de “alma leve”. 

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As críticas mais contundentes partiram do ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo presente aos julgamentos desta terça-feira, 1. Num breve discurso no qual desejou sucesso ao futuro presidente do STF, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio afirmou que é necessário resgatar a liturgia da chefia do Judiciário. Em seguida, afirmou a jornalistas que o padrão do STF ficou “arranhado” na administração de Barbosa. 

Nos 11 anos em que atuou como ministro da Corte, Barbosa teve desavenças com vários colegas e com advogados, o que acabou por isolá-lo no tribunal. A mais recente ocorreu na semana passada, quando o plenário autorizou condenados do mensalão a trabalhar fora da cadeia, mesmo tendo direito ao regime semiaberto. Os ministros derrubaram decisões de Barbosa contrárias ao trabalho externo antes do cumprimento de pelo menos um sexto das penas.

A atuação no mensalão, porém, trouxe dividendos externos para o magistrado. Parte da população passou a considerá-lo uma espécie de herói ao liderar os votos nas condenações dos políticos por corrupção. Isso abriu para ele as portas de uma possível carreira política. Apesar de já ter admitido a possibilidade de disputar um cargo eletivo, Barbosa, nesta terça tentou despistar. “A partir do dia em que for publicado o decreto da minha aposentadoria, exoneração, serei um cidadão como outro qualquer, absolutamente livre para tomar as posições que eu entender necessárias e apropriadas no momento devido”, disse o magistrado. “A política não tem na minha vida essa importância toda, a não ser como objeto de estudos e de reflexões”, completou Barbosa, que recomendou à presidente Dilma Rousseff, que tem a prerrogativa de indicar o nome que irá substituí-lo no Supremo, que escolha um “estadista”. 

Voto vencido. Na sessão desta terça, Barbosa foi voto vencido no julgamento de uma ação do PSDB que pretendia declarar inconstitucional um trecho da Lei Geral da Copa – tucanos queriam liberar manifestações políticas dentro dos estádios. E foi dele o voto que impediu a redistribuição de cadeiras na Câmara dos Deputados na eleição deste ano. 

Finalizada a sessão, Marco Aurélio foi procurado por jornalistas. Foi quando disse que o padrão do STF ficou “arranhado” com Barbosa. “É o resgate da liturgia que precisa ser observado. As instituições crescem quando nós proclamamos valores, quando nós observamos a necessidade de manter o alto nível”, disse. “Precisamos voltar ao padrão anterior, que não é só da Fifa. Deve ser também das instituições brasileiras. Esse padrão ficou arranhado na última gestão.” 

Para o ministro e outros integrantes do STF, Barbosa ficará na história como o relator do mensalão. “Mas a ação penal (do mensalão) não foi julgada só pelo ministro Joaquim Barbosa”, disse. 

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Precoce. Primeiro negro a presidir o Supremo, Barbosa deixa o tribunal aos 59 anos, 11 anos antes de ser atingido pela aposentadoria compulsória. Terá como sucessor Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão e com quem ele teve vários bate-bocas durante o julgamento do processo. 

Mas os problemas de relacionamento não se restringiram a Lewandowski. A primeira das discussões no plenário foi com o ministro Marco Aurélio. 

Com Gilmar Mendes, também houve um desentendimento sério no plenário. “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”, disse Barbosa na ocasião. Gilmar Mendes afirmou na terça que a gestão de Barbosa foi “um período muito agitado do tribunal em função inclusive desse julgamento do mensalão”. 

Um dos poucos amigos de Barbosa na Casa é o ministro Luiz Fux, que foi porta-voz de elogios ao colega. “O ministro Joaquim Barbosa fez muito pela Magistratura, guardando três características muito importantes que se exige: a nobreza de caráter, sua elevação moral e sua independência olímpica.” Mais novo ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso foi diplomático: “Eu acho que o ministro Joaquim Barbosa se tornou um bom símbolo contra o status quo e um bom símbolo contra a improbidade no Brasil. O País estava precisando de bons símbolos, de modo que acho que esse papel ele desempenhou muito bem.”

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