Impasse da Câmara mostra racha entre partidos da esquerda

Disputa entre as candidaturas de Aldo e Chinaglia à presidência da Câmara abriu espaço para a divisão dessas forças políticas na sucessão presidencial de 2010

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Por Agencia Estado
Atualização:

A disputa entre Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP) pela presidência da Câmara abriu uma fenda nas relações entre partidos da esquerda, envenenou a coalizão de governo e abriu espaço para a divisão dessas forças políticas na sucessão presidencial de 2010. Sócios minoritários no condomínio da esquerda, PCdoB e PSB ressentem-se abertamente da postura "hegemônica" do PT e acusam o aliado histórico de tê-los atropelado para viabilizar a eleição de Chinaglia por meio de um acordo com o PMDB. "A prática petista levada para dentro do governo Lula é hegemônica, exclusivista, e dificulta a divisão de poder", afirmou à Reuters, nesta sexta-feira, o deputado Renato Casagrande (PSB-ES). "O PT tem o direito de ampliar seu poder, mas não concordo com esse tratamento aos aliados e ao Aldo", queixou-se. Presidente da Câmara, Aldo Rebelo lançou-se à reeleição após um pedido de Lula, feito em agosto último. Mas em novembro do ano passado, viu o PT engajado na candidatura própria. Lula não interferiu, mesmo sob risco aparente de fragilizar a nova correlação de forças partidárias desenhada para os próximos quatro anos. Chinaglia ganhou fôlego e, nesta semana, obteve o apoio formal do PMDB e do oposicionista PSDB, impondo ao candidato comunista um duro revés. O acordo PT-PMDB consolidou, na prática, o controle das duas maiores legendas sobre a coalizão de governo, formada por 11 partidos, na maioria considerados "de centro-direita" ou simplesmente "direita", segundo os esquerdistas. PCdoB e PSB temem perder espaço no governo e serem "esmagados" pelo PT nas eleições municipais de 2008. "Toda disputa corre o risco de deixar alguma fissura, mas não conheço nenhuma disputa em que o PT tenha avançado sobre aliados. O PT tem tido uma postura agregadora", disse à Reuters o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP). Para algumas lideranças partidárias, o atual racha pode provocar o "divórcio" da esquerda na sucessão de Lula. "O PT jurou que ia ter um eixo político com o PCdoB e o PSB. Isso tudo foi uma lorota. O eixo dele é com o PMDB", atacou o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo. "Já que chegamos a esse ponto, penso que o nosso eixo político deve se fortalecer para a construção da nossa alternativa de 2010. E esse eixo, seguramente, dialogaria com o PCdoB e o PDT. Juntos, temos 70 deputados e cinco governadores", completou Albuquerque. O PSB tem nome para construir um projeto próprio. Ciro Gomes (CE), candidato à Presidência da República em 2002 e ex-ministro de Lula, teria capital eleitoral importante para liderar essa "saída à esquerda", avaliam membros do partido. Frente de esquerda PSB e PCdoB formaram com o PT a Frente Brasil Popular, que levou Lula ao segundo turno nas eleições presidenciais de 1989 e se repetiria em quase todas as disputas seguintes. Em dezembro de 2005, Lula disse aos dirigentes dos dois partidos que só disputaria a reeleição se a esquerda estivesse unida em torno de seu nome. O PCdoB integrou a coligação oficial e o PSB deu apoio informal, mas firme. Em sua primeira entrevista depois da reeleição de Lula, o então presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, defendeu que seu partido formasse com as duas legendas uma frente de esquerda dentro da futura coalizão governista. No dia 25 de novembro, o Diretório Nacional do PT encampou a proposta de Garcia na "resolução" sobre o resultado das eleições de outubro. "O PT proporá ao Partido Socialista Brasileiro e ao Partido Comunista do Brasil um processo de discussões que permita estabelecer uma ação mais coordenada das forças de esquerda que apóiam o Governo", decidiu o diretório. Menos de um mês depois dessa reunião, a última que coordenou como presidente interino do PT, o próprio Garcia propôs, em carta ao presidente do PMDB, Michel Temer, um acordo para eleger Chinaglia, em troca do apoio do PT a um peemedebista na eleição seguinte, em 2009. "Essa carta foi uma punhalada. É assim que se trata um aliado?", reagiu Aldo Rebelo em conversa com Chinaglia e com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, segundo relato feito por ele em conversa com jornalistas esta semana. Velhas rusgas A disputa na Câmara fez renascer rivalidades antigas entre petistas, de um lado, e comunistas e socialistas, do outro. Na redemocratização, nos anos 1980, PT e PCdoB disputaram o controle dos movimentos sindical e estudantil. O PT venceu nos sindicatos e controla a CUT. O PCdoB ficou com os estudantes, controlando a UNE. As relações do PSB com o PT variavam com o humor de Lula e do líder histórico dos socialistas, o governador Miguel Arraes, que morreu em 2005. Na crise do mensalão, Lula beneficiou-se do apoio do ex-ministro Ciro Gomes, político mais popular do PSB, que entrou para a coordenação de governo, antes um clube exclusivo de petistas. Em 2006, o PT disputou o governo de Pernambuco contra o presidente do PSB, Eduardo Campos. O ex-ministro petista Humberto Costa foi eliminado no primeiro turno e teve de apoiar Campos no segundo. Na formação inicial do governo Lula, em 2003, o PSB ficou com os ministérios da Integração Nacional e de Ciência e Tecnologia e o PCdoB, com o dos Esportes. O PT teve 20 ministérios, incluindo o controle da economia, da área social e os gabinetes do Planalto. O PDT, da esquerda nacionalista, ficou por um ano com o ministério das Comunicações. Entre 2004 e 2005, Aldo Rebelo foi ministro da Coordenação Política, mas não teve o poder de seu antecessor na função, o poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu. No auge da crise do mensalão, Lula conseguiu eleger Aldo presidente da Câmara, em setembro de 2005. Três meses depois, Aldo presidia a sessão que cassou o mandato de Dirceu.

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