Ícones de uma era

Funk, celebridades de internet, Capitão Nascimento, ‘Avenida Brasil’ e humoristas stand up foram alguns símbolos da cultura pop dos últimos 13 anos

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:
  Foto: Infográficos|Estadão

Era o amor. Em 2002, Zezé di Camargo e Luciano correram o País realizando showmícios para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar do rótulo “sertanejo”, a dupla tinha (e tem) o poder de gerar empatia nas mais diversas classes sociais. Com eles no palanque, insinuava-se um governo de “centrão”, uma grande conciliação nacional, sem sustos ou ousadias polifônicas. Não à toa, saía de cena o sapo barbudo e entrava o Lulinha Paz e Amor. “É o amor/ Que mexe com minha cabeça/ E me deixa assim/Que faz eu pensar em você/E esquecer de mim/Que faz eu esquecer/ Que a vida é feita pra viver...”

PUBLICIDADE

Mesmo a escolha de um “medalhão” para o Ministério da Cultura seguia o plano original de um projeto agregador. Como artista, Gilberto Gil professava (professa) o Tropicalismo, movimento que instituiu a mistura de estilos e formas como principal virtude – assim como foi tropicalista o que um dia conhecemos como base aliada. Se a Tropicália misturava rock, música brega, forró e outros que tais, o governo petista ia de PL, PTB, PMDB, PP e quase o baile todo. Antropofagia pura.

A meta conciliadora sofreu seu primeiro revés quando o Ministério da Saúde chamou a cantora Kelly Key para estrelar uma campanha de prevenção à aids. Com o hit Baba Baby, o medo de um PT subversivo agitava-se nas profundezas de um eleitor ressabiado. Com o advento dos “comentaristas de internet” (fenômeno que cresceu nos 13 anos de governo petista), a escolha de Kelly Key foi tratada como “apologia à pedofilia” ou “coisa de comunista”.

Na seara musical, é preciso destacar o funk. O movimento se beneficiou das principais bandeiras petistas, como o aumento do crédito, do poder de consumo e da criação de uma nova classe média. O País entrou no batidão da música desbocada, sensual, sexual e consumista. No limite, traduziu-se como “funk ostentação” – o funk das correntes de ouro, dos carrões e do "Plaque de 100" (MC Guimê).

Foi esse gênero musical que serviu como trilha sonora para os chamados “rolezinhos”, que consistiam na tomada de espaços públicos ou privados pela garotada da periferia. Na televisão, o programa Esquenta, apresentado por Regina Casé, foi o que melhor captou esse momento. Vendia-se a ideia de que, finalmente, o pobre havia desembarcado no paraíso.

Tem quem considere o funk machista, mas foi justamente dele que nasceram os gritos feministas do governo Dilma Rousseff. Difícil pensar em algo mais empoderado do que Anitta cantando “Prepara, que agora é a hora do show das poderosas...” Ou o hino do feminismo funk, "Beijinho no Ombro", cantado por Valesca Popozuda (“Desejo a todas inimigas vida longa...”).

Os anos petistas também foram da música festeira e aeróbica. Ivete Sangalo, Zeca Pagodinho e Michel Teló ("Ai Se Eu Te Pego" foi a "Garota de Ipanema" desse período). Assim, sobrou para o rock fazer oposição. Nomes como Lobão e Roger (Ultraje a Rigor) são mais lembrados hoje como críticos do PT do que como músicos. A defesa roqueira do governo ficou a cargo de Tico Santa Cruz.

Publicidade

O cineasta preferido do período foi Fernando Meirelles. Embora Cidade de Deus tenha estreado no último ano do governo FHC, o “Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno, porra” ecoaria por todo o governo Lula. Meirelles também foi o escolhido para ser o diretor da abertura da Olimpíada. Apesar do prestígio, o acontecimento cinematográfico organicamente ligado ao período é Tropa de Elite, do diretor José Padilha. Se por um lado Capitão Nascimento foi o catalisador das nossas frustrações e nosso desafogo contra a impunidade, por outro escancarou nossa face mais conservadora. Com o carismático capitão, aplaudimos cenas de tortura (saco plástico na cabeça) e consideramos os direitos humanos um obstáculo à obtenção da justiça. Wagner Moura será o ator mais lembrado desse período.

Web. Inegável que a internet foi a forma de comunicação que mais avançou nos últimos 13 anos. Com ela, novos nomes surgiram no cenário midiático e cultural. Kéfera, Felipe Neto, Jout, Jout, Chris Figueiredo e outros invadiram nossos celulares. Quem antes era espectador e consumidor de cultura virou também produtor de conteúdo cultural. A geração dos youtubers (filhos legítimos da era petista) não demorou a invadir o mercado publicitário e até editorial (Kéfera hoje escreve best-sellers).

O mesmo movimento favoreceu o sucesso dos reality shows. Apesar de o Big Brother Brasil ter começado ainda no governo FHC, foi no período petista que o programa ganhou musculatura e formou uma multidão de subcelebridades. A fama ao alcance do cidadão comum é um legado inequívoco dos últimos 13 anos. No mesmo espírito “faça você mesmo”, ganharam importância os realities de culinária – destaque para o Master Chef e suas derivações.

A internet também serviu de trampolim a uma turma que proliferou com voracidade nos últimos anos: os artistas stand-up comedy. Feito Gremlins, eles se multiplicaram e ocuparam qualquer espaço razoavelmente habitável. Falar, ser engraçado e tentar ser engraçado era a missão da maioria deles. Uma adaptação da famosa frase de Millôr Fernandes se encaixaria bem aqui: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. Troque jornalismo por humor e tenha escancarado o grande nó do setor nos últimos anos. Não por acaso muitos humoristas saíram deste governo com a pecha de direitistas. Destacaram-se na arte de fazer rir Marcelo Adnet, Rafinha Bastos, o Porta dos Fundos, o Sensacionalista e programas como Pânico e CQC. A informalidade parece ter virado regra na televisão. O apresentador Tiago Leifert foi a pedra fundamental desse movimento.

PUBLICIDADE

A novela que marcou o período foi Avenida Brasil, que entrou para a história da teledramaturgia ao escancarar nosso relativismo ético. O “oi, oi, Ô!” da abertura não será esquecido tão cedo – bem como a performance de Adriana Esteves (como Carminha) e José de Abreu (que também se dedicou aguerridamente à defesa do PT). Ainda sobre novelas, vale lembrar do ator Alexandre Nero. Sua capacidade em interpretar personagens complexos fez dele um retrato reconhecível da realidade do País.

Mas foi-se o amor. Nas últimas eleições, Zezé di Camargo apoiou Aécio Neves...

E agora o PT vai tentar se refazer ouvindo "With a Little Help From My Friends".

Publicidade