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Hora de Temer

O novo presidente assume um país em crise

Por The Economist
Atualização:

Os ambulantes que montaram suas barracas nos arredores do Congresso Nacional devem ter ficado decepcionados. A polícia imaginava que milhares de pessoas se reuniriam no local para acompanhar os últimos momentos do julgamento da presidente Dilma Rousseff. Mas, quando, por 61 votos a 20, os senadores aprovaram o impeachment, a esplanada parecia mal-assombrada de tão vazia. Horas depois, o vice-presidente Michel Temer assumiu definitivamente a Presidência para cumprir os 28 meses que ainda restam do mandato de Dilma.

Foi um fim melancólico para uma era extraordinária. Nos últimos 13 anos, o PT dominou a política brasileira. Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se o primeiro operário a chegar à Presidência do País; oito anos depois, Dilma foi a primeira mulher a ocupar o cargo. O boom das commodities financiou programas sociais que ajudaram 40 milhões de pessoas a sair da pobreza. Não poucos brasileiros ainda hoje são gratos por isso.

O presidente Michel Temer em cerimônia de posse Foto: Andressa Anholete|AFP

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Mas foram poucos os senadores que se comoveram com a defesa veemente que Dilma fez de seu mandato na segunda-feira, 29 de agosto. O delito de que ela estava sendo acusada ― a manipulação da contabilidade oficial para ocultar o tamanho do déficit fiscal ― não constituiria crime de responsabilidade, sustentou a petista, não podendo ser punido com impeachment. A violência política a que a estariam submetendo seria comparável às injustiças e torturas de que ela foi vítima durante ditadura militar. Mais uma vez, as elites políticas e empresariais conservadoras do País a estariam perseguindo, agora com a intenção de sabotar as políticas de seu governo, voltadas para os mais pobres.

Na realidade, a queda de Dilma foi motivada pela pior recessão da história do Brasil, pela qual a ex-presidente é em parte responsável, pelo escândalo de corrupção envolvendo a Petrobrás e por sua própria inépcia política. Os que mais sofrem as consequências das políticas adotadas em seu governo são justamente aqueles que ela queria proteger. Quase 12 milhões de brasileiros, ou aproximadamente um em cada nove trabalhadores, estão desempregados, um terço a mais que há um ano. A economia sofreu contração anual de 3,8% no segundo trimestre de 2016. Mas, com a inflação perto dos 10%, o Banco Central (BC) não teve alternativa senão manter a taxa básica de juros em 14,25%. Isso também é, em grande medida, responsabilidade de Dilma. Em seu primeiro mandato, a petista pressionou o BC a afrouxar prematuramente a política monetária.

Temer promete agora reativar a economia, sobretudo com a reversão das políticas da ex-presidente. Suas promessas de privatização, desregulamentação e disciplina fiscal animam os investidores. “Nosso lema é gastar só o dinheiro que se arrecada”, afirmou ele em seu primeiro pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão. A equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles, inspira confiança. A Bolsa de Valores de São Paulo e o real vêm se valorizando desde que Temer assumiu a Presidência. O custo da proteção contra um eventual calote da dívida brasileira caiu 25%.

Entre os cidadãos comuns, porém, Temer não goza de muito mais prestígio que Dilma. Segundo levantamentos recentes, seu índice de aprovação está abaixo de 20%. E seu partido, o PMDB, está tão envolvido no escândalo da Petrobrás quanto o PT da ex-presidente. Metade dos brasileiros gostaria de ter a oportunidade de ir novamente às urnas e eleger um novo presidente. Isso cicatrizaria as feridas deixadas por um processo de impeachment questionável, diz João Castro Neves, da consultoria Eurasia Group, mas também adiaria a implementação de reformas econômicas urgentes. Temer não tem a menor intenção de renunciar e abrir caminho para a convocação de eleições antecipadas.

Dilma se pronuncia logo após a decisão do Senado de afastá-la Foto: Wilton Junior|Estadão

A encrenca agora é toda dele. Pelo contrário, o novo presidente pretende se desincumbir da tarefa hercúlea de pôr em ordem o caos das contas públicas do País. Quando Dilma assumiu a Presidência, em janeiro de 2011, o Brasil tinha um superávit primário (antes do pagamento de juros) de 3,1% do PIB. Ao deixar o governo, o País registrava um déficit de 2,7%. A deterioração fez com que o custo da captação de recursos subisse, agravando ainda mais a situação fiscal. O déficit nominal chega a alarmantes 10% do PIB.

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Se nada for feito, adverte Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a dívida pública ultrapassará os 110% do PIB em 2022, o dobro do patamar em que se encontrava quando Dilma foi eleita. E continuará aumentando, o que desembocará num calote, ou no retorno da hiperinflação que grassou nos dez primeiros anos após o fim do regime militar. O dragão da inflação só foi domado por Itamar Franco, o último vice-presidente a ser catapultado (pelo impeachment de Fernando Collor) à Presidência da República.

Temer espera realizar proeza similar. Para isso, conta com a adoção de duas medidas: o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, em termos reais, e a reforma da Previdência Social. Ambas exigem emendas à Constituição. Durante o processo de impeachment, o trâmite das propostas ficou paralisado. Agora, o governo promete que trabalhará por sua aprovação no Congresso.

Muitos analistas dizem que isso não é ambicioso o bastante. O Orçamento de 2017, apresentado na quinta-feira, 31 de agosto, não contribuiu para diminuir a apreensão. A proposta inclui uma redução modesta do déficit primário, deixando-o em 2% do PIB. De acordo com o projeto de congelamento dos gastos, o governo só voltará a ter um superávit primário em 2021, diz Pinto. A dívida pública chegará a 90% do PIB na década de 2020. Isso deve evitar uma catástrofe, mas ainda assim deixaria o País com pouca margem de manobra para reagir a choques econômicos, como uma súbita desaceleração da atividade interna ou uma fuga de capitais.

Por outro lado, reduzir o déficit de forma mais acelerada seria politicamente complicado. Os brasileiros querem mais serviços públicos, e não menos. Pesquisa realizada em julho mostra que, ao longo do último ano, as dificuldades econômicas levaram um terço da população a trocar os planos privados pelo sistema público de saúde. Cerca de 14% dos pais entrevistados disseram ter retirado seus filhos das escolas particulares em que eles estudavam. Ainda há muito desperdício que poderia ser cortado sem prejudicar o cidadão comum, avalia Alberto Ramos, do banco de investimentos Goldman Sachs. Durante os governo do PT, os gastos públicos, descontados os pagamentos de juros, cresceram duas vezes mais que a economia. “Custa crer que esses recursos estejam sendo todos empregados com critério e eficiência”, diz Ramos.

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A oposição petista não deve incomodar o novo governo. Nas eleições municipais de outubro, o partido, desmoralizado pela recessão e pelos escândalos de corrupção, apresentará, em relação ao último pleito, um número 50% inferior de candidatos a prefeito. A indefectível estrela vermelha desapareceu do material de campanha de alguns candidatos. Lula, que ainda é a liderança mais popular da agremiação, foi denunciado por tentativa de obstrução da Justiça. O ex-presidente nega a acusação. Outras figuras importantes do partido cumprem pena de prisão.

Como frequentemente acontece na política brasileira, são os aliados que mais dor de cabeça devem dar a Temer. O congelamento dos gastos e a elevação da idade mínima para a aposentadoria precisam ser aprovados por maiorias de três quintos em ambas as Casas do Congresso. O PMDB quer suavizar as propostas, protegendo, por exemplo, parte dos recursos destinados a saúde e educação (que representam, somados, um terço do orçamento do governo federal). São reduzidas as chances de que outras reformas estruturais, como a da legislação trabalhista de inspiração mussoliniana ou a do tortuoso sistema tributário, venham a ser implementadas.

Assim, Temer terá muito em que pensar no avião que o levará até a China, onde, em sua primeira viagem oficial como presidente, participará da reunião do G-20, nos próximos dias 4 e 5. Ao tentar ser o próximo Itamar Franco, o peemedebista corre o risco de repetir o fiasco de José Sarney, que, com a morte de Tancredo Neves, assumiu inesperadamente a Presidência em 1985. Sarney tentou implementar uma série de malfadados planos de combate à inflação, que só fizeram piorar as coisas. O caos subsequente ajudou a eleger um populista em 1989: Fernando Collor.

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