Homem trabalhando

O paulista Serra agiu em silêncio enquanto o mineiro Aécio distraía a platéia

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Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

No lance do acordo com o PMDB, o governador paulista José Serra foi mineiro. Trabalhou em silêncio, num primeiro momento simulando-se conformado com o cenário das candidaturas de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin a prefeito de São Paulo. Olhando em retrospectiva a operação já com seu resultado em mãos, entende-se por que a tropa serrista há quase um mês ''entregava os pontos'' dizendo que nada mais havia a fazer, Alckmin e Kassab seriam candidatos e qualquer tentativa de alterar esse quadro poderia se voltar contra o governador de São Paulo. Tratava-se de uma encenação. O que na época soou algo esquisito por causa da facilidade e da antecipação com que se deu a rendição, não passava de um gestual para neutralizar Alckmin e adjacências, enquanto as forças da objetividade eram postas em movimento no bastidor. Seria possível dizer que, aqui, o mineiro Aécio Neves fez política à moda paulista - com muito esforço braçal e pouca sutileza mental -, não fosse a sensação de que seu apoio explícito a Alckmin, embora risonho, talvez não seja assim tão franco. Ou firme o bastante para levá-lo a patrocinar a resistência. Inclusive porque uma coisa é certa: os governadores de Minas e São Paulo divergem, mas não rasgam dinheiro. Muito menos votos. Ambos querem chegar à Presidência da República. Os dois têm o apoio dos respectivos Estados que, juntos, somam 41 milhões 900 mil eleitores num universo de 127 milhões 464 mil brasileiros aptos a votar. Estamos falando do primeiro e do segundo colégios eleitorais do País, representativos de quase 40% do eleitorado total, o que não é brincadeira. Faz da relação entre Serra e Aécio algo semelhante a duas potências donas de armas com poder de destruição mútua. A Serra não interessa confrontar Minas e a Aécio não será de nenhuma utilidade conflitar com São Paulo. Sendo que o mineiro, aqui, ainda leva a seguinte vantagem: tem o Estado ''fechado'' em torno de si, tanto do ponto de vista das forças políticas, quanto do eleitorado. Em São Paulo, além das preferências serem mais dispersas, há o peso do PT e a atuação crítica da imprensa. Em Minas, os jornais de um modo geral são reverentes ao governador e o PT, como se vê na aliança para a Prefeitura de Belo Horizonte, já entrou para a esfera da influência de Aécio. Briga de morte, portanto, não interessa a nenhum dos dois. A ambos, entretanto, é essencial o apoio do PMDB. E no presente momento de preparativos para 2010, cada um se dirige ao partido a seu modo. Aécio Neves conversa sobre uma possível transferência de legenda, mas conversa também a respeito de alianças com os pemedebistas, caso venha a conseguir ultrapassar Serra e disputar a Presidência pelo PSDB. José Serra deu, nessa articulação com Orestes Quércia, o primeiro sinal público de que não está inerte. Econômico nas declarações, ameno - para dizer o mínimo - no exercício da oposição ao governo federal, Serra se ocupa do trabalho de semeadura avançando sobre o campo adversário. O presidente Luiz Inácio da Silva havia orientado sua base a reproduzir nos municípios a coligação federal, na qual o PMDB é seu principal parceiro depois do PT. Serra deu um tranco no plano logo na cidade onde sua execução seria crucial, por emblemática. Não foi, convenhamos, um gesto amigo. A despeito disso, o acerto com o PMDB para a eleição municipal não significa um acerto com o PMDB para a eleição presidencial. Os pemedebistas ficarão com Lula enquanto ele representar não apenas uma realidade, mas também uma perspectiva de poder. Agora, a aliança visa a levar Geraldo Alckmin a ''tomar a iniciativa'' de desistir da candidatura e aceitar concorrer ao governo de São Paulo em 2010, tornando-se compulsoriamente um adepto da candidatura Serra à Presidência. O governador não poderá ser ''acusado'' de nada. Para todos os efeitos, atuou para conquistar um parceiro poderoso para a candidatura de sua predileção. Alckmin, se quiser, pode comprar a briga, mas terá de fazê-lo com menos tempo de televisão e sem o apoio das máquinas estadual e municipal. Do PT Serra tampouco poderá receber críticas por ter se juntado a um adversário histórico, cujo questionamento moral provocou a saída dele, Fernando Henrique, Mário Covas e companhia, do PMDB para fundar o PSDB. Os petistas estavam também em conversações com Orestes Quércia, lamentaram sua perda e agora ficam numa situação delicada para desqualificar seu objeto de cobiça. O desdobramento desse lance fica, é óbvio, a cargo do tempo. Mas, se os ''apelos'' calarem à alma de Alckmin e o PSDB se integrar formalmente à chapa de Gilberto Kassab, no mínimo estará reproduzida, no plano municipal, a aliança que sustentou Fernando Henrique Cardoso no plano federal. E para que serve essa constatação? Para demonstrar que Serra está em ritmo de trabalho intenso para se eleger presidente, e quando quer, derruba até o próprio mito. No caso, o de político desastrado.

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