''Há fraudes de todos os tipos''

Novo chefe do TCE paulista afirma que os maus administradores ?sempre acham um jeito de burlar a lei?

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Por Fausto Macedo
Atualização:

"Há fraudes de todos os tipos", alerta Edgard Camargo Rodrigues, novo presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE). "Leis existem.Tem a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Improbidade, tantas normas, mas sempre acham um jeito de burlar, porque o mau administrador tem mente criativa." Conselheiro do TCE há 18 anos, formado em Direito pela USP, Rodrigues já ocupou o posto máximo do órgão em duas outras ocasiões, em 1993 e em 2001. Há três semanas foi reconduzido para mais um ano de mandato. Discreto, não fez festa de posse. Habituado a examinar, e reprovar, contas de prefeituras, Câmaras Municipais e também da administração estadual, ele tem um novo alvo: o império das organizações não-governamentais (ONGs) e o impressionante volume de verbas públicas que ingressam em seus cofres. Auditores do TCE que atuam no Sistema de Repasses Públicos ao Terceiro Setor fecharam o balanço relativo ao exercício de 2007. O pente-fino contou 8,9 mil transferências, que somam R$ 798 milhões. Eles inspecionaram 913 entidades, em 236 descobriram irregularidades. "Distorções de toda ordem, entidades fantasmas, serviços não efetuados, contratações de apadrinhados", aponta o mandatário do maior TCE do País, que fiscaliza 644 prefeituras e Câmaras e também as repartições estaduais. As principais transgressões? 94% dos casos de rejeição se referem à falta de aplicação mínima no ensino. É imperdoável. A Constituição impõe repasse obrigatório de 25% da receita para a educação. Em muitos municípios, a transferência não chega a 23%. O tribunal não perdoa, as contas são condenadas. Há casos de falta de atenção do gestor, não de má-fé. Como no débito de precatórios judiciais. Pode-se atribuir essa falha a dificuldades naturais da administração. A administração tem direito à falta de atenção se dispõe de estrutura jurídica? Às vezes a própria assessoria falha. Não é simples ser administrador devido à quantidade de leis, regulamentos e obrigações. Percebe-se maior profissionalismo, prefeitos preocupados. No caso do ensino, trabalham no limite da previsão legal. Uma prefeitura pode receber aporte inesperado de receita, proveniente de decisão judicial. A receita dá um salto e aquela aplicação na educação que estava calibrada para 25% se perde e não há tempo hábil para refazer o balanço. Por que prefeitos e vereadores resistem ao cumprimento da lei? Estamos longe do ideal. Não diria propriamente que há uma resistência. Creio que há boa vontade de administradores em tentar acertar, até porque os instrumentos de fiscalização estão se aperfeiçoando. Mas os números alarmam. O exercício de 2006 está fechado, 100% das contas analisadas. Tivemos 37,73% das contas com parecer desfavorável. A fiscalização sobre o terceiro setor revelou o quê? Casos alarmantes. O terceiro setor engloba ONGs, organizações sociais e entidades privadas que colaboram com o poder público. É muito dinheiro. O tribunal está apertando, vistorias in loco constataram distorções de toda ordem, entidades fantasmas, contratação de apadrinhados. Há fraude de tudo quanto é jeito. Eu não diria que todas as ONGs agem assim, mas há fraudes de toda natureza. Caso emblemático foi o de uma prefeitura que, entre 2005 e 2006, firmou 15 termos de parceria com organização sediada em outro Estado, no município de Londrina (PR). O valor inicial somava R$ 3,255 milhões. Fizeram 46 termos aditivos e o valor repassado explodiu para R$ 11,7 milhões. O problema é que esse tipo de parceria não passa pelo crivo da Lei de Licitações. Organizações contratadas sem uma escolha pública transparente servem às vezes de porta para empreguismo, apadrinhamentos, compromissos políticos. Não dá para generalizar, mas o porcentual de desvios é preocupante. Acredito que é assim no País inteiro. Como combater tanta fraude? O papel do tribunal é inibidor. Apesar do orçamento enxuto, 0,33% da despesa total do Estado, fazemos um trabalho diário de inspeção de contratos e exames de edital. Não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Sempre surge um jeito de burlar as leis controladoras. O administrador de má-fé tem mente criativa. É só o que tem. Há margem para tudo, espaço para dribles, curvas, aventuras. O pessoal, quando quer errar, é engenhoso. Acham que nunca serão apanhados. Onde há mais desmandos? Licitação de lixo cheira mal. Algumas prefeituras, quando obrigadas a abrir nova concorrência, agem ardilosamente para garantir a mesma empresa contratada há anos. Lançam edital deliberadamente com erros, imperfeições. Aí um laranja impugna o edital. Sai novo edital e novos erros. O laranja impugna outra vez. A empresa vai ficando, escorada no regime de emergência. Teve caso de edital refeito 5 vezes. A fraude estava na cara, mandamos para o Ministério Público. Toda hora a gente pega. Os desvios são uma aberração. Bons administradores terão sempre a colaboração do tribunal. Para os maus, o recado está aí: nós estamos atentos.

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