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Grávidas têm de lutar por vaga na hora do parto em SP

Por Agencia Estado
Atualização:

Pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela o quanto é difícil para mulheres serem atendidas em hospitais da rede pública de saúde de São Paulo para dar à luz. O trabalho baseou-se em depoimentos de gestantes internadas no Amparo Maternal, instituição da cidade que tem como lema não recusar pacientes. Das 520 ouvidas, 76% passaram por dois ou mais hospitais antes de serem internadas. "Mas houve quem percorresse cinco instituições até ser admitida", afirma a autora do trabalho, a enfermeira Rosely Erlach Goldman. Na pesquisa, Rosely verificou quais os exames feitos nas gestantes antes da dispensa. Os resultados mostram que a atenção dada às pacientes ficou abaixo do considerado ideal. Das gestantes ouvidas, 15,5% não tiveram a pressão arterial medida nos hospitais e 6,7% não fizeram exame para avaliar os batimentos cardíacos do bebê. "O índice pode parecer baixo, mas são exames imprescindíveis e baratos. Era esperado que, pelo menos nesses testes, a cobertura fosse de 100%", diz. Em outros exames, a cobertura foi também ruim: 40,9% não fizeram exame de dinâmica uterina e 81,5%, cardiotocografia, um teste para avaliar a freqüência das contrações e os batimentos cardíacos do bebê. O atendimento precário foi relatado também pelas gestantes. Das mulheres ouvidas, 34,6% classificaram como péssimo ou ruim o tratamento recebido nos hospitais em que foram dispensadas. "É um momento em que as mulheres estão fragilizadas. Além das dores do parto, elas vivem uma tensão grande por causa da saúde do bebê", relata a pesquisadora. A incerteza do atendimento agrava a situação. "A tensão maior pode fazer com que as dores fiquem mais intensas." A recusa nos hospitais muitas vezes vem acompanhada de outro problema: o transporte para outro centro de atendimento. Das gestantes ouvidas, 9% chegaram de ônibus à maternidade e 1,5% a pé. "Imagine o que é fazer o percurso com dores que se tornam cada vez mais freqüentes e agudas", diz a pesquisadora. De ambulância, chegaram 46,8%. Riscos A demora pode trazer danos graves tanto para o bebê quanto para a gestante. Nos seis meses da pesquisa, foram 524 nascimentos. Houve quatro mortes - três provocadas por transtornos respiratórios. Um dos sinais de que o parto foi feito depois do momento adequado é a presença de mecônio - as fezes do feto - no líquido amniótico. O contato do bebê com o mecônio provoca problemas respiratórios graves. Até o momento do parto, as gestantes tiveram atendimento médico. A pesquisa mostrou que 84% delas haviam feito pré-natal, com uma média de cinco consultas. Um número bom, na avaliação de Rosely. Ao sentir as primeiras dores do parto, Dilma Rodrigues Barbosa de Jesus, de 25 anos, seguiu os conselhos ouvidos durante o pré-natal. Esperou os sintomas ficarem mais fortes para procurar atendimento médico. Às 6h, foi ao Hospital de Itapecerica. Não era o de sua região, mas ela acreditava que a internação seria mais rápida. Dilma foi atendida quase dez horas depois, no terceiro hospital a que recorreu. Com a demora, o bebê entrou em sofrimento e nasceu com transtornos respiratórios. Ficou internado na UTI e só 11 dias depois estava fora de perigo. "O pior é que quando fui ao segundo hospital, eles fizeram um exame que mostrava que o bebê estava bem. Mesmo eu tendo contrações a cada cinco minutos, eles mandaram eu esperar mais e procurar outro hospital. Deu no que deu", afirma Dilma. Nos dias em que foi visitar sua filha Luana no hospital, Dilma diz ter ouvido vários relatos de mulheres que peregrinam para serem atendidas. "Vi que não fui a única. Mas isso não me conformou. Só aumentou a minha revolta com tanto descaso." Falhas As secretarias da Saúde do Estado e do Município têm versões diferentes para a demora no atendimento de mulheres na hora do parto. "Essa peregrinação não deveria ocorrer", afirma a coordenadora do Plantão Controlador Metropolitano, Adalgisa Nomura. Ela argumenta que desde 1998 funciona uma central de vagas, cuja função é encaminhar os pacientes para hospitais com leitos disponíveis. "Às vezes, não há vaga na primeira instituição procurada pela gestante. A função do hospital é acionar a central, que localiza um leito vago." A transferência é feita por ambulância. Sem saber explicar as razões do alto índice de mulheres recusadas em hospitais, que chegam sozinhas ao Amparo Maternal, Adalgisa afirma: "Talvez tenhamos de fazer uma campanha entre as pacientes para que saibam do serviço e cobrem a transferência ao serem recusadas em um hospital." Para a integrante do programa municipal Saúde da Mulher, Jael Barbosa de Albuquerque, a pesquisa confirma um problema antigo. "A rede está desestruturada. A central de vagas, controlada pelo Estado, também passa por dificuldades. Não podemos fazer com que caiba à gestante o ônus de encontrar vagas." Gravidade Em São Paulo, o índice de mortalidade materna é de 60 para cada 100 mil, número muito acima do aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 20 para cada 100 mil. "É absurdo que a cidade de São Paulo tenha um coeficiente como esse", admite Jael. A maioria das mortes ocorre na idade entre 30 e 35 anos. "Muitas já são mães e a morte desestrutura toda a família." A causa mais freqüente de morte das mulheres durante ou depois do parto é eclâmpsia, seguida por hemorragia e aborto. A Prefeitura aumentou em 105 o número de leitos para maternidade. O programa pretende adquirir ambulâncias para garantir o transporte entre hospitais. Jael afirma ser preciso também melhorar a qualidade do pré-natal. "Queremos que a primeira consulta seja feita no início da gravidez, ao contrário do que ocorre hoje, quando é realizada no 4º ou 5º mês de gestação."

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