Gravações da PF apontam venda de sentenças no Pará

Operação Rêmora realizada ano passado, revelou indícios de venda de sentenças judiciais por juíza

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Por Redação
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Gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal do Pará durante a operação Rêmora, realizada em novembro do ano passado, revelam indícios de venda de sentenças judiciais pela juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública do Pará, Rosileide da Cunha Filomeno, cujo marido, de prenome Paulo, aparece oferecendo facilidades a um empresário e a prefeito do interior em troca de suborno e ascensão dela ao cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado (TJE). O caso já está no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que notificou a juíza a apresentar defesa prévia.   O principal personagem das conversas, cuja voz é identificada em quatro gravações com duração total de seis minutos, é o empresário João Batista Ferreira Bastos, o Chico Ferreira, que foi preso em novembro de 2006 juntamente com outro empresário, Marcelo Gabriel, filho do ex-governador do Pará, Almir Gabriel.   Bastos e Gabriel, segundo a PF, montaram uma quadrilha para superfaturar contratos públicos nos governos de Almir e de seu sucessor, Simão Jatene. No dia 12 passado, Bastos foi condenado pela justiça paraense a 80 anos de prisão pelo assassinato dos irmãos Ubiraci e Uraquitan Novelino, em abril deste ano. Os irmãos foram atraídos para uma armadilha dentro da empresa de Bastos, a Service Brasil, algemados por pistoleiros sob a mira de armas, estrangulados e tiveram os corpos colocados em containeres atirados no fundo do rio Guamá. Bastos devia para a dupla R$ 5 milhões.   Na primeira das gravações, obtidas pelo Estado, o marido da juíza tranqüiliza Bastos (Chico Ferreira) de que seu assunto "estará resolvido" desde que haja o compromisso do empresário em "falar com o dr. Almir" (governador Almir Gabriel) sobre a "vaga de cima". Ele se refere a disputa que Filomeno travava com outras juízas para alcançar o desembargo. A nomeação para o cargo é da competência de governador. Paulo, o marido, encerra a conversa dizendo para Bastos; "vá lá (gabinete) na segunda-feira, junto com o Clóvis- irmão do empresário-, tome um cafezinho com ela, consiga seu documento, ouça os pedidos dela e atenda, você não vai perder mesmo".   O empresário não foi ao gabinete, mas mandou o irmão. Clóvis telefona do gabinete da juíza, informa que tudo "está sendo resolvido" e pede para Bastos ir ao encontro de Filomeno para tratar de um "assunto importante". Na terceira conversa, Bastos e uma voz que se identifica como Eulálio comemoram decisão de Filomeno de conceder liminar ao Conselho Regional de Administração, cancelando uma licitação. Os dois, antes de se despedir, comentam que as coisas "começaram a melhorar".   Paulo volta a aparecer na quarta gravação, ligando para o irmão de Bastos do gabinete da mulher, no Tribunal Regional Eleitoral, onde ela também atua. Diz que a juíza será relatora de um processo em que a parte interessada é o prefeito de Igarapé Açu, Vicente Pedrosa (PMDB), antecipando que o voto será a ele favorável. Depois, pergunta se "aquele esquema morreu, não tem mais nada", recebendo como resposta que Clóvis irá "falar com o homem" (Bastos). Paulo pede para dar um toque e ver se "vai chover mais alguma coisa na horta".   O presidente da Câmara Municipal de Belém, vereador José Wilson Araújo, o Zeca Pirão, e a vereadora Marinor Brito (PSOL) encaminharam representações contra Filomeno à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado (TJE) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedindo que ela seja afastada do cargo enquanto a denúncia estiver sendo investigada. A juíza deverá ser ouvida no CNJ na segunda quinzena de janeiro próximo, após o recesso do Judiciário. "Essa juíza me afastou por três vezes da presidência, mas não digo que ela agiu movida por outros interesses, porque não tenho provas", diz Araújo. Já Marinor, a quem as gravações foram entregues, confessa ter "cumprido meu dever" ao pedir providências contra a juíza.   A assessoria de imprensa do TJE informou que a Corregedoria das Comarcas da Região Metropolitana de Belém vai investigar as denúncias contra a juíza. "Tratando-se de acusação grave contra magistrada, a apuração está sendo conduzida com a cautela recomendável em eventos dessa natureza", diz nota, acrescentando que o Tribunal somente se pronunciará a respeito depois de concluída a apuração, considerando que qualquer manifestação antes disso "será precipitada". A juíza e seu marido não foram encontrados para comentar as gravações. O telefone de ambos estava desligado. Vizinhos do casal informaram que Filomeno e Paulo estariam "fora de Belém".

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