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Governo segura emendas do orçamento secreto e gera disputa no Senado

Planalto paga apenas R$ 6 bilhões dos R$ 16,9 bilhões empenhados; senadores cobram a liberação dos recursos e travam projetos de interesse do Executivo

Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author Daniel  Weterman
Por Adriana Fernandes , Daniel Weterman e
Atualização:

BRASÍLIA - Pressionado por investigações sobre o “orçamento secreto”, o Palácio do Planalto tem segurado a liberação de recursos de emendas de relator indicadas por senadores. Dos R$ 16,9 bilhões previstos no Orçamento deste ano, só R$ 6 bilhões (36%) haviam sido empenhados – a etapa que abre caminho para o pagamento – até a sexta-feira passada. Senadores cobram a abertura do cofre e reagem trancando a pauta do governo na Casa. 

Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto foi criado dentro do Palácio do Planalto para garantir ao presidente Jair Bolsonaro base de apoio no Congresso. A prática é ilegal, segundo juristas, por desequilibrar o sistema democrático – ao beneficiar um grupo de parlamentares que apoia o governo em detrimento da oposição – e pela falta de transparência. O esquema de toma lá dá cá foi apelidado de “tratoraço” porque boa parte dos políticos usou o dinheiro para comprar tratores superfaturados. 

O presidente Jair Bolsonaro durante demonstração de lançamento de armas pela Esquadra, no Rio. Foto: Alan Santos/PR

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Nas últimas duas semanas, o Estadão conversou com dezenas de senadores que aceitaram falar sob condição de anonimato. Eles admitem que as votações de interesse do governo pararam e apontam o ministro da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), como responsável por trancar o cofre. Ao contrário do seu antecessor, o general Luiz Eduardo Ramos, Nogueira só aceita pagar as emendas após a votação realizada. 

A reação foi imediata. O governo enfrenta no Senado um clima mais hostil na comparação com a Câmara, presidida por Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado de primeira hora de Bolsonaro e responsável por impedir a análise de mais de cem pedidos de impeachment.

A interlocutores, Ciro tem dito que a suspensão tem o objetivo de “reorganizar o jogo” no Senado, que tem imposto uma série de derrotas ao governo de Jair Bolsonaro e é palco da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, uma das maiores dores de cabeça do governo. A comissão de inquérito já apontou esquema envolvendo a compra de vacina contra a covid-19, além de relacionar o discurso negacionista do governo as quase 600 mil mortes pela doença. 

Nas conversas com senadores, Ciro Nogueira tem justificado que o governo segurou a liberação das emendas diante de investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o uso de emenda de relator (a chamada RP9). Autoridades na área fiscal dizem que o esquema pode justificar a cassação do mandato do presidente. Senadores, porém, afirmam que isso é apenas uma desculpa para pressioná-los a destravar as votações de interesse do governo na Casa, onde a resistência a Bolsonaro tem crescido. 

Relatório do TCU já apontou “perplexidades” sobre o modelo de divisão de emendas, no qual cabe a um grupo de parlamentares determinar o que fazer com o dinheiro público sem qualquer critério técnico ou transparência. A investigação foi aberta com base na série de reportagens do Estadão

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Propostas

Além do projeto de reforma do Imposto de Renda e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o pagamento dos precatórios (sentenças judiciais), essenciais para a economia, Ciro Nogueira, que coordena na prática a distribuição do orçamento secreto, cobra que o Senado analise a indicação do ex-ministro da Justiça, André Mendonça, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Mais de dois meses após Bolsonaro enviar o nome de seu escolhido para a Casa, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre (DEM-AP), nem sequer marcou data para a sabatina.

Nos bastidores, senadores manifestam ter sido alvo de pressão dos prefeitos por emendas que estavam prometidas e anunciadas nas bases eleitorais. Os parlamentares argumentam que essas verbas foram negociadas em votações que já passaram pela Casa, como a PEC Emergencial, que permitiu a renovação do auxílio emergencial esse ano e contém também medidas fiscais. O que for votado daqui para frente, especialmente a PEC dos precatórios, seria negociado por meio de recursos do Orçamento de 2022. Na Câmara, a reclamação maior parte dos deputados do chamado baixo clero.

Revisão

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A insatisfação em torno da negociação das emendas tem provocado uma pressão no Congresso para revisar o modelo das emendas do relator. Atualmente, esses recursos são indicados no Orçamento por meio do parecer do relator-geral, mas sem a digital de quem apadrinhou o recurso ou de quem vai escolher o beneficiário final da emenda. O deputado Hugo Leal (PSD-RJ), relator-geral do orçamento de 2022, solicitou ao TCU todos os autos sobre a apuração. Como justificativa, citou que precisa das informações para elaborar o parecer sobre o orçamento do ano que vem. 

“As emendas de relator são necessárias, mas é preciso ter razoabilidade. Não é razoável uma pessoa só concentrar esse poder”, disse o vice-líder do MDB no Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), que presidiu a Comissão Mista de Orçamento (CMO) quando o modelo começou a ser adotado.

A CMO fará nos próximos dias uma audiência pública para discutir a forma de divisão dessas emendas, que no jargão orçamentário são conhecidas como RP9. A base do governo, formada especialmente pelo Centrão, é contra abrir os critérios publicamente. 

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A oposição, por sua vez, acredita que o modelo atual só se sustenta se os beneficiários dos acordos forem mantidos sob segredo e justamente por isso cobra uma mudança nas regras. A presidente da CMO, Rose de Freitas (Podemos-ES), também quer mudanças.

A análise dos vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) será decisiva para definir as regras de 2022, ano eleitoral. Bolsonaro vetou o prazo de 180 dias para empenhar as emendas de relator e o poder do responsável por elas de indicar formalmente a ordem de prioridade e os beneficiários da verba. A derrubada dos vetos diminuiria o controle de fluxo dos recursos pelos ministérios do Executivo. Procurada, a Casa Civil não se manifestou..

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