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''''Governo não quer limitação das medidas provisórias ''''

Rogério Schmitt: cientista político da Tendências Consultoria. [br]Maior problema para acabar com MPs, afirma ele, é que os deputados também as utilizam para passar emendas

Por Moacir Assunção
Atualização:

O cientista político Rogério Schmitt, da Tendências Consultoria, trata do tema medidas provisórias, as famosas MPs, com o realismo que o caso exige. Em sua opinião, apesar de o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e o do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), terem feito discursos valentes contra as MPs na abertura do ano legislativo, este instrumento não deve cair, porque o governo federal quer manter o atual status quo e jamais permitirá que a base aliada no Congresso vote contra seus interesses. ''''O governo está no segundo ano do segundo mandato e, claro, não vai querer a limitação das medidas provisórias, como tem sido cogitado pelos líderes das duas Casas. Talvez aceite, no máximo, algo no longo prazo que diminua gradativamente sua abrangência, mas sem atingir a atual administração'''', vaticina. Schmitt, que faz análises semanais sobre o Congresso dirigida aos clientes da consultoria, considera que as MPs já se integraram, por força do uso (e até mesmo do abuso), ao jogo político nacional. Por outro lado, o cientista político acredita que o fim da norma que tranca a pauta da Câmara por causa de MPs não votadas em discussão na Casa tem chance de seguir adiante. A proposta foi lançada por Chinaglia na semana passada. O sr. não acredita em uma limitação para as medidas provisórias, mesmo com a criação de uma comissão para mudar as regras de tramitação das MPs? Não creio que vá adiante tal esforço, pois não interessa ao governo mudar a atual situação. O status quo atual é muito favorável ao Executivo. Dá-lhe uma tremenda liberdade administrativa e a sua base jamais se animará a tirar este instrumento das mãos da administração federal. Pode ser que, a longo prazo, o governo aceite alguma limitação em termos de assuntos do qual podem tratar e da sua abrangência. Mas dificilmente ele permitirá que essa limitação atinja a atual administração. No entanto, como a comissão e o presidente Chinaglia têm falado somente em rever a regra para edição de MPs pondo fim à regra que obriga o trancamento da pauta se elas não forem votadas em até 45 dias após sua edição, creio que pode haver consenso neste ponto. É preciso lembrar, entretanto, que as MPs precisam ter uma tramitação diferenciada dos projetos de lei comuns. Os líderes do Legislativo reclamam que as MPs fazem com que a maior parte da produção legislativa venha do Executivo. A crítica procede? Sem dúvida há problemas, mas os parlamentares também se aproveitam das MPs, ou seja, elas são uma via de mão dupla e o Congresso não deve posar de coitadinho nessa história. Muitos deputados se aproveitam das MPs como um atalho para incluir, na condição de emendas, projetos seus que têm tramitação muito lenta na Casa. Assim, embora reclamem, eles também ganham com a situação atual. Em um País estável em termos políticos e econômicos como o que vivemos, é possível governar sem usar as medidas provisórias? Claro que é possível. A questão é que as MPs já entraram no cálculo político de todos os governos desde o fim do regime militar e do próprio Congresso. José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique e agora Lula utilizaram e utilizam este instrumento. Não é que não seja possível governar sem elas. É que elas já se tornaram parte do jogo político. Países como Alemanha, Portugal, Espanha e Chile têm instrumentos semelhantes à MP. Qual é o problema da nossa, que tem gerado distorção nas funções dos Poderes? O problema não é a MP, mas o uso que se faz dela. A Constituição diz que essas medidas devem ser editadas em casos de relevância e de urgência, mas não esclarece o que é exatamente isso. Com um pouco de retórica, qualquer assunto pode se tornar relevante e urgente. Em praticamente todo o mundo o Executivo tem alguma atribuição legislativa que lhe permite agir com rapidez. No nosso caso, as regras são muito frouxas e acabam acontecendo os abusos. O vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), disse, recentemente, que o número excessivo de MPs significa ''''a confissão de ineficiência'''' do Congresso. Ele tem razão? Não ouvi a declaração nem sei exatamente em que contexto ela foi proferida, mas discordo porque parte de uma premissa errada. A MP, como disse antes, não é uma decisão unilateral do governo, mas também interessa aos parlamentares. O senhor não acredita que a comissão indicada pelo presidente da Câmara produza resultados que levem à limitação das MPs? A comissão pode promover um bom debate sobre o assunto, como ocorreu em 2001, quando as MPs começaram a ser votadas, o que não ocorria antes. Podem até surgir propostas razoáveis, com chance de serem aprovadas, como a mudança na regra dos 45 dias sem trancamento da pauta. Mas se sair algo mais extremista, que leve, por exemplo, à limitação total das MPs, estará condenado à gaveta. Quem é: Rogério Schmitt Foi professor de Ciências Políticas na USP e na PUC-SP Fez doutorado pelo Iuperj

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