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Governo lança programa com meta de erradicar miséria até 2014

Ministra diz que 'Brasil Sem Miséria' terá força-tarefa para intensificar ações que já existem.

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Por João Fellet
Atualização:

Moradora de um bairro pobre de Sobradinho, uma das cidades-satélites de Brasília, Rosineide Lima da Silva testemunhou nos últimos anos os efeitos que programas de transferência de renda e a boa situação econômica do país tiveram em sua vizinhança: muitas famílias reformaram suas casas, compraram veículos e eletrodomésticos. Mas ela afirma que foi excluída do progresso - sem conseguir se cadastrar para receber o Bolsa Família (diz que se inscreveu em um centro federal, mas jamais obteve o benefício), depende dos R$ 250 mensais que ganha como manicure para sustentar, sozinha, os três filhos pequenos. "Nunca ganhei um centavo do governo. E todo mês a vida fica mais cara", queixa-se. Silva, 29 anos, pertence a uma parcela da população que, apesar das políticas sociais e dos ventos favoráveis à economia brasileira, não conseguiu deixar o último patamar da pirâmide social, a pobreza extrema. O grupo, composto por famílias com renda per capita mensal de até R$ 70, critério definido pelo governo no mês passado - abaixo, porém, do teto defendido por Dilma Rousseff na campanha (R$ 136,25) - é alvo do programa Brasil Sem Miséria, lançado nesta quinta-feira e classificado pela presidente como o mais importante de sua gestão. Metas Segundo o Censo 2010, 16,2 milhões de pessoas, ou 8,5% dos brasileiros, se enquadram na categoria. Desses, 47% vivem no campo, índice bastante superior à porcentagem dos moradores de áreas rurais na população total (15,6%). O Nordeste concentra 59% dos brasileiros em pobreza extrema, ao passo que o Sul e o Centro-Oeste respondem, juntos, por 7% do grupo. Coordenadora do Brasil Sem Miséria, a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, justifica a iniciativa: "Um país que cresce como o Brasil não pode se contentar em ter somente um grande programa social como o Bolsa Família." Em entrevista à BBC Brasil e a outros dois repórteres de jornais estrangeiros, Campello diz que o programa terá três objetivos principais: garantir a transferência de renda aos mais pobres (via Bolsa Família ou outros programas já existentes), ampliar a oferta de serviços públicos a essa população e permitir que seus membros se integrem ao mercado de trabalho ou tirem maior proveito das atividades que desempenham. Para isso, afirma a ministra, o programa promoverá uma "força-tarefa" no governo, de modo a coordenar e aumentar a eficiência de ações já promovidas por diversos ministérios, além de lançar novas iniciativas referentes principalmente ao terceiro pilar do programa - incluir os mais pobres no sistema produtivo. Mentalidade Segundo Campello, para o cumprimento da primeira meta (garantir que os mais pobres se beneficiem de programas de transferência de renda já existentes), é necessário "mudar a mentalidade de que é papel do pobre procurar o Estado, e fazer com que o Estado vá até o pobre". A ministra diz que 800 mil famílias que poderiam se beneficiar do Bolsa Família e, com isso, talvez ultrapassar a linha de pobreza extrema, não o fazem por desinformação, por viverem em regiões isoladas ou por não acreditarem no Estado. "Vamos fazer uma campanha para capacitar servidores públicos a atender de forma diferenciada esse público. Temos que ir às casas dessas pessoas, entrar nos lugares mais pobres e saber por que não estão tirando proveito das ações disponíveis." Segundo uma funcionária de um escritório do Bolsa Família no Distrito Federal, porém, muitas famílias não recebem o benefício porque cada cidade tem um limite de beneficiados, definido pelos resultados do Censo. Quando o limite é atingido, famílias que se enquadram nos critérios só podem ingressar no programa com a saída de outras. Já o Ministério do Desenvolvimento Social diz que casos como esses são raros e que o lançamento do último Censo permitirá atualizar a base de dados do programa. Acesso a serviços Para alcançar o segundo objetivo do Brasil Sem Miséria - ampliar o acesso a serviços públicos -, Campello diz que seu ministério manterá relação próxima com outras pastas, indicando locais onde há demanda por escolas, cisternas, redes de esgoto e outros bens públicos. A ministra enfatiza a importância de ampliar o acesso à saúde: "Há caso de pessoas qualificadas que não conseguem emprego por, por exemplo, não terem dentes." A última meta do programa, promover a inclusão dos mais pobres em sistemas produtivos, prevê ações distintas no campo e na cidade. Para os moradores de áreas urbanas, o esforço se concentrará em programas de microcrédito, na formalização de microempresas e na qualificação profissional. Campello diz que a capacitação se dará por meio de iniciativas governamentais como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego) ou por convênios com escolas privadas e com o Sistema S (formado por Sesc, Sesi e Senai, entre outros órgãos). Segundo a ministra, o acesso à educação torna-se ainda mais importante se levado em conta que 50,9% dos brasileiros em situação de pobreza extrema têm até 19 anos de idade. "Hoje temos no Brasil falta de mão-de-obra mesmo para atividades que exigem pouca qualificação. Queremos organizar o Estado para qualificar 1,7 milhão de pessoas." A ministra afirma ainda que o governo está discutindo com redes privadas de supermercado e de construção civil formas de absorver pessoas que venham a se qualificar pelo programa. Agricultura familiar Os moradores do campo, por sua vez, receberão mudas ou sementes para aumentar a produção em suas propriedades e, com isso, vender o excedente. Além disso, cada grupo de mil agricultores será assessorado tecnicamente por 11 funcionários concursados, dos quais um terá graduação em ciências agrárias e dez serão formados no ensino médio. Campello diz que o concurso para os técnicos que assistirão os primeiros 10 mil agricultores será aberto na próxima segunda-feira. Segundo a ministra, o governo ainda triplicará a compra de produtos de agricultores familiares, iniciada em 2004, e estimulará redes de supermercados a negociar com o grupo. "O Estado vai recolher a produção e organizar pontos de distribuição. Com este programa, estamos implantando uma nova sistemática no governo, que exige aprendizado." No entanto, a julgar pelo prazo em que se pretende cumprir a meta do programa, há pouco tempo para aprender: "Até 2014, queremos erradicar a pobreza extrema e fazer com que o Brasil seja o primeiro país em desenvolvimento a cumprir a primeira das Metas de Desenvolvimento do Milênio (da ONU)", diz a ministra. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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