Governo diz que discute terrorismo, mas que desconhece relatório de inteligência sobre EI

Ministério da Justiça afirma que a questão é debatida no âmbito da prevenção e nega a existência de documentos que apontem a influência do grupo radical no País

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Foto do author Andreza Matais
Por Andreza Matais e Erich Decat
Atualização:

O Ministério da Justiça divulgou nota neste domingo, 22, na qual informa que o governo tem trocado "informações e análises com autoridades de outros países, com o objetivo de atuar com eficiência na prevenção, apesar de não ter histórico, de atos de terrorismo". A pasta negou, porém, discussões no âmbito ministerial sobre relatórios de inteligência que trazem alertas sobre a influência do Estado Islâmico no Brasil e a tentativa de cooptação de brasileiros convertidos pelo EI.

A nota do ministério foi divulgada em resposta à reportagem exclusiva publicada neste domingo, 22, pelo Estado que revela a existência dos documentos. O ministério disse que "lamenta qualquer especulação que possa ser feita em relação a informações vazadas de hipotéticos relatórios de inteligência desconhecidos ou que não passaram pela análise de autoridades governamentais responsáveis por decisões na área de segurança pública do governo federal."
Conforme a nota do ministério, o terrorismo estava na pauta da última semana da reunião do grupo de trabalho que trata das questões de segurança com relação às Olimpíada e "em nenhum momento houve a distribuição ou a discussão de quaisquer relatórios das áreas de inteligência sobre terrorismo no Brasil, ou mesmo sobre análise
específica de quaisquer grupos terroristas que atuem no mundo."
Fontes dos órgãos de inteligência do governo, que participaram da reunião, contudo, disseram ao Estado que o assunto foi discutido no encontro e que a intenção é mudar o discurso do governo de que o País não corre riscos, diante de uma nova realidade apurada pela Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Para lembrar. Durante passagem pelas Nações Unidas em setembro do ano passado, em plena campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff deu uma controversa declaração em que criticou a ofensiva militar contra o Estado Islâmico e defendeu uma saída baseada no "diálogo".
Neste domingo, o Estado revelou que o Palácio do Planalto recebeu relatórios de setores da inteligência que detectaram tentativas de cooptação de jovens brasileiros pelo Estado Islâmico, o que representaria um "fator de risco" - a principal preocupação das autoridades é com a segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.
"O Brasil sempre acreditará que a melhor forma (de resolução dos conflitos) é o diálogo, é o acordo, é a intermediação da ONU", declarou a presidente a jornalistas após participar da Cúpula do Clima, em Nova York.
Na época, os Estados Unidos, com apoio de aliados árabes, realizaram ataques aéreos contra campos de treinamento do grupo na Síria. "Lamento enormemente isso. Nós repudiamos sempre o morticínio e a agressão dos dois lados e não acreditamos que seja eficaz. O Brasil é contra todas as agressões", comentou a petista.
No dia seguinte, a presidente voltou a criticar a ofensiva militar. "Vocês acreditam que bombardear o Isis (Islamic State, na sigla em inglês) resolve o problema? Porque se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque. O Isis tem apoio de comunidades sunitas. Então, o que se tem de olhar é, de fato, a raiz desse problema", afirmou a presidente.
"Vocês sabem aquele negócio, quando você destampa a caixa e sai todos os demônios? Os demônios estão soltos, todos. Não vamos esquecer o que ocorreu no Iraque: houve uma dissolução do Estado iraquiano, uma dissolução. Então, hoje, a gente querer simplesmente bombardear o Isis, dizer que você resolve porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz."
Repercussão. As declarações da presidente causaram uma péssima repercussão no Brasil. O então candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, acusou Dilma de propor "diálogo com um grupo que está decapitando pessoas".
O então ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, foi escalado pelo Planalto para rebater as críticas do tucano. Figueiredo teve de voltar às pressas, cancelando em cima da hora uma audiência que teria com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.
Na época, Figueiredo avaliou que houve uma "grande confusão" na interpretação da fala de Dilma. "Você tem de ter um diálogo na comunidade internacional para resolver essas questões. Diálogo com a comunidade internacional é exatamente o que é uma solução política, não militar, e isso é dentro sempre das melhores tradições da política externa brasileira, até porque a gente sabe que não há solução militar para isso", comentou Figueiredo.

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