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Governo de reação

São dois governos, por enquanto. Um, chamado de “técnico”, foi montado à imagem e semelhança do mercado com um só objetivo: aplicar o modelo econômico que, na campanha eleitoral de 2014, era defendido pelo candidato derrotado, mas que, após a eleição, acabou adotado verbalmente por Dilma Rousseff – o que ajudou a consumir a pouca credibilidade que restava a ela. O dono desse governo é Henrique Meirelles, em sistema de porteira fechada: ele nomeia, prende, solta e não dá satisfação a ninguém.

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Por José Roberto de Toledo
Atualização:

O outro governo é o “político”, montado à imagem e semelhança do Congresso Nacional. Não requer conhecimento técnico da área: quando eram parlamentares, boa parte dos novos ministros não apresentou nenhum projeto sobre os temas que agora comandam. O despreparo não é uma novidade implantada por Temer, é uma contingência do sistema político que o colocou lá. O problema é que fica a impressão de que, tirando os cargos, ninguém negociou com os ministros o que eles iriam fazer depois de empossados.

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O resultado é um governo de reação. O ministro diz que vai diminuir o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS), Michel Temer reage, dizendo que não é bem assim. Outro ministro diz que vai fazer e acontecer na Justiça, e Temer reage aparando-lhe as asas. E assim, de reação em reação do presidente interino, os ministros vão descobrindo quais seus limites, qual seu raio de ação. Soltam vários balões de ensaio para ver quais são abatidos pelo Palácio. Os que decolam viram política de governo.

A reação do presidente interino também é proporcional ao cacife de quem está testando suas habilidades no balonismo. José Serra, no Itamaraty, botou para quebrar na reação às bravatas dos vizinhos bolivarianos. Tão cedo o tucano não poderá veranear na praia de Varadero em Cuba, visitar o lago Titicaca na Bolívia ou fazer um passeio de barco pelas ilhas Galápagos, do Equador. Nem Temer. Enquanto espera o telefonema de um chefe de Estado que não seja o radialista que se passou por presidente argentino, o interino teve que referendar a política externa sem punhos de renda nem meias palavras de Serra. Mas não só.

Temer também teve que aceitar as nomeações de cunhados. Não, nada a ver com Marcela Temer. São os indicados por Eduardo Cunha. O deputado afastado fez da residência oficial da Câmara um campo de lançamento de drones. Não se contentou com Waldir Maranhão como seu sucessor. Já emplacou dois no Palácio, o novo líder do governo na Câmara e o presidente da EBC, a estatal de comunicação que era para ser pública mas que, para virar BBC, vai precisar mudar mais do que apenas uma letra no nome.

Até aí, nada de novo. Cunha sempre emplacou suas indicações. Foi assim sob Dilma, sob Lula e sabe-se lá sob mais quem. Tampouco é o primeiro a pilotar drones à distância. No governo Sarney, Ulysses Guimarães nomeava metade da Esplanada dos Ministérios e mandava mais do que o presidente. Temer não é Sarney, e Cunha certamente não é Ulysses. Mas os ex-vices correm sempre o mesmo risco: seguirem como peça de decoração no próprio governo.

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Ainda é cedo para avaliar qual papel Temer desempenhará, se o de Sarney, o de Itamar Franco (que também terceirizou a área econômica) ou um misto de ambos. O interino será necessário e, a se provar, útil na arbitragem das bolas divididas entre os dois times do governo, o “técnico” e o “político”. No primeiro teste, porém, o da Previdência, ele deixou o apito cair da boca.

No impasse sobre idade mínima para a aposentadoria entre a área econômica e as centrais sindicais que o apoiam, Temer não quis dizer qual dos dois ia comandar o jogo. Na dúvida, anunciou um “grupo de trabalho” para discutir o assunto. Adiou o problema.

Uma hora, porém, Temer vai ter que decidir a partida. Ou alguém vai decidir por ele: Meirelles, o Congresso ou as ruas.