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Governo Bolsonaro busca equilíbrio no Oriente Médio

Planalto e Itamaraty se dividem entre árabes e israelenses durante viagem de Bolsonaro ao Golfo Pérsico

Foto do author Felipe Frazão
Por Felipe Frazão
Atualização:

Os gestos foram discretos, mas simbólicos. O presidente Jair Bolsonaro aproveitou dois de seus compromissos públicos na viagem aos países árabes do circuito dos “petrodólares” para manifestar apreço por Israel, numa tentativa de se equilibrar nas relações diplomáticas durante o giro por Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos (EAU), no Golfo Pérsico.

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O malabarismo do Palácio do Planalto e do Itamaraty na questão entre árabes e israelenses vem de governos passados. A tentativa de dinamizar a balança comercial e atender exportadores sempre ditou a sensível atuação dos diplomatas brasileiros no Oriente Médio. Bolsonaro, especialmente, tratou Israel como parceiro estratégico já na campanha eleitoral. Além disso, costuma posar com a bandeira do país e chegou a propor a mudança da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, cidade no epicentro da disputa. O presidente também causou incômodo a representantes da comunidade judaica ao fazer referências a símbolos do povo hebreu, apropriados pelo setor evangélico, uma de suas bases de apoio.

Na Dubai Air Show, logo no primeiro dia da viagem, Bolsonaro parou no estande israelense e posou para fotos. Era uma estreia histórica. A indústria de defesa do país é renomada internacionalmente e participou pela primeira vez da feira de aviação. Bolsonaro prestigiou a exposição promovida pela Israel Aerospace Industries (IAI), fabricante de sistemas de inteligência, mísseis e radares, que atua na aviação militar e civil.

Ainda mais simbólica foi a visita ao pavilhão de Israel na Expo 2020, quando ele reservou alguns minutos para o encontro restrito à delegação presidencial, após circular a pé pela feira, ciceroneado por xeques dos Emirados Árabes Unidos, entre eles o ministro da Tolerância e Coexistência, Nahayan Bin Mobarak Al Nahayan. Horas antes, o presidente também havia atendido ao convite para visitar o pavilhão da Arábia Saudita, um dos mais influentes na região do Golfo e candidato a sediar a Expo 2030.

O pano de fundo desse cenário é o conflito Israel-Palestina. Na avaliação de diplomatas, porém, o tema perdeu importância em alguns países da região do Golfo. No destaque, Bolsonaro durante um evento de jiu-jitsu realizado em Dubai. Foto: EFE/ALI HAIDER 

A participação maior de expositores israelenses nesses megaeventos foi permitida a partir dos Acordos de Abraão. No ano passado, incentivados pelos Estados Unidos do então presidente Donald Trump, Bahrein e Emirados Árabes assinaram acordos para normalizar as relações com Israel, à época sob comando de Benjamin Netanyahu. Os dois ex-líderes eram considerados aliados de Bolsonaro.

O Catar descartou participar e estabelecer relações diplomáticas por causa da ocupação de territórios árabes por Israel. O governo catariano afirmou que os pactos “não contribuem para o processo de paz” na Palestina.

O pano de fundo desse cenário é o conflito Israel-Palestina, fundamental para os árabes. Na avaliação de diplomatas, porém, o tema perdeu importância em alguns países da região do Golfo, mais preocupados com o Irã. Todos continuam defendendo o lado palestino, mas não há pressão da sociedade civil para manifestações. Em outras palavras, não há a “rua árabe”, expressão usada por um embaixador ouvido pelo Estadão, em Dubai, para definir a massa de cidadãos com pensamento crítico, que mobiliza e incomoda os governos, como pode ocorrer no Egito, na Jordânia e na Argélia.

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Em comunicado conjunto, os governos do Brasil e dos Emirados Árabes Unidos disseram que Bolsonaro conversou sobre os Acordos de Abraão com o xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan, príncipe herdeiro de Abu Dhabi. Conhecido como MBZ, é ele quem governa o país atualmente e vem sendo considerado o mais poderoso líder árabe da região. Brasil e Emirados Árabes ocuparão, entre 2022 e 2023, assentos temporários no Conselho de Segurança das Nações Unidas e se comprometeram a manter consultas regulares.

“Enfatizando a importância de promover a tolerância e a coexistência para a estabilidade regional e a prosperidade econômica, o presidente Bolsonaro saudou a assinatura dos Acordos de Abraão entre os EAU (Emirados Árabes Unidos) e o Estado de Israel. O lado emirático reiterou que os Acordos de Abraão representam oportunidade histórica que facilita a cooperação, a pacificação e o diálogo inter-religioso”, diz a nota oficial, divulgada pelo Itamaraty.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou que essa relação com os países árabes é benéfica para todos. “Isso está bonito, porque vamos ficar de mãos dadas com Israel e vamos ficar aqui. É a tradição brasileira. O Brasil é o único lugar do mundo onde eles se entendem, árabes e judeus são amigos”, afirmou Guedes.

Bolsonaro fez sua segunda viagem aos países árabes nesta semana. Em Israel ele havia estado apenas uma vez como presidente, em março de 2019, embora no ano passado tenha despachado uma missão oficial para conhecer um spray nasal que reputava ser “milagroso” contra a covid-19.

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Desde que o governo decidiu reorientar as posições do Brasil e adotar uma tendência pró-Israel, o Itamaraty sugeriu que o presidente buscasse cada vez mais fazer acenos aos dois lados para não criar problemas, que poderiam provocar impacto em grandes clientes do agronegócio, do minério e da indústria nacional de Defesa.

Há um fato pouco conhecido: ainda no primeiro ano do governo, diplomatas do Itamaraty realizaram uma viagem para acalmar a situação e dar explicações aos países árabes. Passaram por Catar, Jordânia e Emirados Árabes. Todos os embaixadores brasileiros na região foram convocados para receber instruções, numa reunião em Dubai.

O tour de “bombeiros” do Itamaraty foi realizado assim que Bolsonaro regressou de Israel. Naquela ocasião, o presidente havia autorizado a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, a cidade sagrada disputada por árabes e israelenses. A prometida transferência da embaixada de Tel Aviv para lá, que na prática seria um reconhecimento brasileiro de que o Estado de Israel tem direito à cidade, nunca foi concretizada.

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Mesmo assim, os votos do Brasil nas Nações Unidas, relacionados ao conflito, têm sido de abstenção ou até contrários. Trata-se de uma forma de concessão a Israel, quando são discutidas questões específicas, como violência e violações de direitos humanos contra palestinos. Antes, o Itamaraty tradicionalmente apoiava o lado palestino.

Em maio, o próprio Bolsonaro condenou nas redes sociais o lançamento de foguetes por militantes palestinos, contra o território de Israel, e fez ampla divulgação de vídeos dos ataques do Hamas. Mas se calou sobre a ofensiva israelense em Gaza, mais letal. “É absolutamente injustificável o lançamento indiscriminado de foguetes contra o território israelense. A ofensiva provocada por militantes que controlam a Faixa de Gaza, e a reação israelense, já deixara mortos e feridos de ambos os lados. Expresso minhas condolências às famílias das vítimas e conclamo pelo fim imediato de todos os ataques contra Israel, manifestando meu apoio aos esforços em andamento para reduzir a tensão em Gaza”, disse o presidente.

O Brasil, no entanto, não aceitou mexer no princípio de autodeterminação dos povos e continua reconhecendo o direito ao Estado Palestino, e não apenas ao de Israel, a chamada solução de dois Estados.

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