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Governo Biden mantém distanciamento discreto de Bolsonaro

Secretário de Estado dos EUA faz primeira viagem à América do Sul, mas Brasil fica de fora do roteiro

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Por Beatriz Bulla
Atualização:

Ao embarcar para Quito, no Equador, nesta terça-feira, 19, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, dá andamento ao que o governo Biden estabeleceu como uma política de "não atrito" na relação com o Brasil. A ideia é não "esticar a corda" com a base democrata, que rejeita uma aproximação com o governo Bolsonaro, e também evitar situações que possam levantar divergências com Brasília, atualmente sob liderança de um governo distante da atual Casa Branca em muitos assuntos.

Em sua primeira viagem para a América do Sul, nesta semana, Blinken irá ao Equador e à Colômbia, mas deixou de fora o maior país da região, o Brasil. 

Antony Blinken tem uma parceria de longa data com o presidente eleito Joe Biden. Foto: Mandel NGAN/AFP

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O governo americano considera que o Brasil já recebeu uma viagem de alto nível em agosto, com a visita de Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional. Mas não incluir o País no roteiro do secretário de Estado dá sequência também à estratégia americana de manter um distanciamento estratégico e discreto de Brasília.

São publicamente conhecidas diferenças entre a política do presidente Jair Bolsonaro, declarado fã do republicano Donald Trump, e a do americano Joe Biden. Qualquer passo que demonstra proximidade com o governo brasileiro é recebido com críticas dentro do partido democrata, base de Biden, e ativistas próximos à Casa Branca. A avaliação corrente em Washington também é a de que é difícil estreitar o diálogo com o Itamaraty sem assumir posições que colocariam os dois governos em choque. 

Por isso, a dinâmica tem sido a de manter um contato diplomático, pragmático e de bastidor entre os dois países, em nível ministerial, sem canal aberto entre os presidentes. 

Na Colômbia e no Equador, Blinken se reunirá com os presidentes dos dois países. Em agosto, a primeira viagem de alto nível de um representante do governo Biden a Brasília repercutiu mal entre políticos do partido democrata. Isso porque Sullivan acenou com a possibilidade de estreitar a cooperação militar com o Brasil na mesma semana em que Bolsonaro intensificou seus ataques ao sistema eleitoral vigente no País. Em Washington, o movimento foi lido como uma busca por aproximação com um presidente que iniciava uma ofensiva contra a democracia brasileira.

Bolsonaro e o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan. Foto: Reprodução Twitter/Embaixada EUA Brasil

Na sequência, em um esforço de contenção de danos, o governo americano passou a divulgar informações sobre a reunião entre Sullivan e Bolsonaro. Segundo os americanos, Sullivan teria dito ao presidente brasileiro, de forma muito direta, que o governo Biden tem "grande confiança" nas instituições brasileiras para a realização de eleições livres e justas.

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Depois disso, importantes senadores democratas enviaram uma carta ao governo Biden, na qual demonstraram preocupação com ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral do País. O texto foi assinado pelo presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Menendez, e por mais três senadores, incluindo Dick Durbin, presidente do Comitê Judiciário do Senado americano. Os congressistas pediram a Blinken para deixar claro que a relação entre os dois países estará em risco se Bolsonaro não respeitar o jogo democrático nas eleições presidenciais do ano que vem. 

Há um mês, Biden e Bolsonaro dividiram o mesmo palco, na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, mas não se encontraram. A justificativa oficial foi uma mudança nos protocolos de entrada no plenário da ONU durante a pandemia, mas assessores americanos admitem que, se Biden desejasse, teria ao menos cumprimentado o presidente do Brasil, como é comum.

Blinken, contudo, se reuniu com o chanceler brasileiro Carlos França, em Nova York, há um mês. Outras reuniões entre ministros dos dois lados têm acontecido. Os encontros entre ministros têm sido usados pelo governo brasileiro para dizer, nos bastidores, que a conversa com os americanos vai bem e o diálogo segue de pé.

Nesta terça, Blinken telefonou para França. Ele também falou por telefone com chanceleres do Chile e da Colômbia, que irá sediar um encontro sobre imigração nesta quarta-feira. O tema é o foco da viagem do americano nesta semana. Os EUA têm assistido à chegada em número recorde de imigrantes de forma irregular neste ano. Mais de 1,5 milhão de pessoas já foram detidas na fronteira sul do país desde outubro do ano passado. O Brasil participará do fórum de amanhã, que será virtual -- a não ser pela presença dos americanos em Bogotá. Segundo o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, no telefonema, Blinken "reconheceu a liderança do Brasil na assistência a populações vulneráveis de imigrantes, incluindo haitianos e venezuelanos". Eles também "debateram mais colaboração para deter o fluxo descontrolado de imigração irregular na região", disse Price. Em setembro, quando os dois se encontraram na ONU, Blinken chegou a pedir a França que o Brasil recebesse parte dos imigrantes haitianos que tentaram entrar em massa nos EUA pela fronteira com o Texas.

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Embaixada  Os EUA também estão sem embaixador no Brasil desde a aposentadoria de Todd Chapman em julho -- que era visto na capital americana como um homem alinhado demais a Bolsonaro. A Casa Branca não anunciou quem será o encarregado da diplomacia americana no País. 

Um impasse doméstico contribui para a demora em escolher o nome a ser indicado ao Brasil. No governo há nove meses, Biden conseguiu emplacar poucas nomeações a relevantes cargos diplomáticos dentro dos EUA e fora dele. O senado tem uma lista extensa de nomeações já feitas a serem apreciadas, mas a fila está parada, bloqueada por senadores republicanos. 

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