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Governo apura desvio de verbas para ONGs de fachada

Dados do TCU e de ministérios indicam uso irregular de grande parte dos R$ 2 bi deste ano

Por Agencia Estado
Atualização:

O governo, o Congresso, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público já detectaram vários indícios de uso irregular, por uma grande quantidade de organizações não-governamentais (ONGs), dos recursos que lhes são repassados pelo próprio Executivo ? uma montanha de dinheiro que, só em 2004, deve chegar a R$ 2 bilhões. Suspeita-se, nos levantamentos feitos até agora, que grande parte dessas verbas esteja sendo desviada para ONGs de fachada ou para outras entidades do terceiro setor, desobrigados por lei de se submeter à fiscalização dos setores públicos. Tendo diante de si um vasto universo de 29 mil entidades de utilidade pública, esses técnicos buscam estabelecer algum tipo de controle sobre o modo como são recebidos e gastos esses recursos ? que, em alguns casos, podem estar patrocinando atividades contrárias aos próprios interesses do governo. Além do Congresso e do TCU, um grupo de trabalho interministerial - integrado por dez ministérios e coordenado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, está concluindo estudos para o primeiro pacote de medidas destinadas à moralização das relações do Estado com as ONGs. Os R$ 2 bilhões destinados a essas entidades representam um valor maior que o autorizado, no orçamento deste ano, para pelo menos 18 ministérios do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ? entre os quais os de Cidades (R$ 1,36 bilhão), Justiça (R$ 1,57 bilhão) e Previdência Social (R$ 1,38 bilhão). Só ganham mais dinheiro que esse conjunto de ONGs os ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Social, Defesa, Transportes e Ciência e Tecnologia. ?Convênios vultosos são assinados sem licitação, sem transparência nem comprovação de capacitação técnica da ONG?, adverte o senador Mozarildo Cavalcante (PPS-RO), autor de um projeto de lei destinado a regulamentar as atividades do terceiro setor, que já entrou em pauta para votação no Senado. Falcatruas Presidente de uma CPI aberta em 2002 para investigar a questão das ONGs, Cavalcante sustenta que a bandeira do voluntariado vem sendo usada, em anos recentes, para encobrir falcatruas. Os alvos preferenciais dos golpistas, como já foi detectado, são os Ministérios do Desenvolvimento Social, da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação. Para se ter uma idéia de como essa atividade se expandiu, basta lembrar que em 2002, último ano de governo Fernando Henrique Cardoso, as ONGs abocanharam R$ 1,4 bilhão de recursos públicos, quase metade das transferências voluntárias que a União remeteu naquele ano para os 5.600 municípios brasileiros. A exemplo do senador Cavalcante, o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, também se diz impressionado com a quantidade de desvio de dinheiro público por meio de ONGs. A CPI e os órgãos envolvidos na investigação não conseguem, por causa da falta de controle, nem sequer quantificar o prejuízo aos cofres públicos. O mecanismo dos convênios, diz Furtado, é lacônico e contém enormes furos. ?Deveria ser criado por lei um processo público transparente de escolha das entidades conveniadas, que garantisse acesso aos vários interessados?, defendeu. Para ele, a regulamentação do setor também deveria definir bem o dever das ONGs de prestar contas detalhadas ao órgão repassador. Igualmente, os ministérios, estatais e demais órgãos repassadores de recursos deveriam, na sua opinião, dar maior publicidade aos programas destinados ao terceiro setor. Furtado constatou, por meio de amostragem, que os problemas ocorrem em quase todos os ministérios, nas empresas estatais e fundações públicas. Muitos golpes, conforme observou, são praticados por meio de emendas parlamentares destinadas a ONGs de fachada ou de finalidade suspeita. ?A democracia brasileira avançou muito e não pode conviver com um processo que, de tão discricionário, virou arbitrário?, criticou o procurador. Um dos casos apanhados na sua amostragem é o da Fundação Cristiano Varella. Criada pelo deputado Lael Varella (PFL-MG), a entidade, que leva o nome do pai do parlamentar, conseguiu R$ 20 milhões do Ministério da Saúde, entre 1999 e 2001. A verba foi destinada à construção de um hospital do câncer, em Muriaé (MG), administrado pelo Instituto Maria da Glória Ferreira Varella, outra ONG criada por Lael, com o nome da mãe. O TCU constatou que o hospital foi 100% construído e equipado com recursos do Ministério da Saúde e, por isso, recomendou a sua incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS), para atendimento gratuito à população. Mas até agora a situação não foi resolvida e o hospital continua recebendo verbas federais, por meio de emendas parlamentares, e realizando atendimentos particulares. O esquema é semelhante ao usado pelos anões do Orçamento, que levou à cassação de 11 parlamentares em 1992. Preferências O Congresso e o TCU requereram aos ministérios e empresas estatais informações sobre os repasses de recursos para o terceiro setor. As primeiras informações indicam que, em 2003, o Ministério da Saúde transferiu R$ 251,8 milhões para as ONGs e o Ministério da Educação, R$ 138,4 milhões. O campeão, o Ministério do Desenvolvimento Social, ainda está levantando os dados. No Ministério do Meio Ambiente, já se descobriu que as 80 ONGs que firmaram convênio com o Fundo Nacional do Meio Ambiente receberam R$ 20 milhões em 2003. Mas o grande filão, financiado com recursos externos, falta ser aferido. Para este ano estão previstos investimentos de R$ 1,2 bilhão na agenda verde do Brasil, provenientes de países e organismos internacionais. Desse montante, R$ 700 milhões já estão em carteira e R$ 500 milhões em negociação. Uma das diretrizes exigidas pelos financiadores é que o dinheiro seja aplicado mediante convênio com organizações não-governamentais, segundo informou o secretário executivo do Meio Ambiente, Claudio Langone. O meio ambiente é considerado o paraíso das ONGs, porque a maior parte dos recursos de origem externa é constituída de doações, que não exigem contrapartida. Mas Langone assegura que os recursos estão sendo bem aplicados. As entidades da área, garante, possuem elevado nível de participação social nos seus sistemas de controle. ?Temos um nível baixo de irregularidades", informou.

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