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Gerador doado por Kennedy nunca foi usado

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Por Redação
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VITÓRIA DE SANTO ANTÃO - A ditadura já era ditadura no final da tarde do 1o de abril de 1964, quando o menino Zito, de 8 anos, viu a tropa do Exército cercar as casas da sua família e dos vizinhos no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata pernambucana.

 

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O lugar era o berço das Ligas Camponesas, um movimento de trabalhadores que se alastrava por 13 Estados. "Entraram três caminhões de homens com metralhadoras nas mãos", lembra José Joaquim da Silva, o Zito, hoje com 58 anos, enquanto mostra um croqui obtido no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da operação militar. No mapa que lembra um desenho de criança, o lugar está tomado de soldados e árvores.

 

Cinquenta anos depois, Zito escreve livros de cordel sobre a ocupação militar e a resistência da comunidade. Hoje, uma centena de famílias vive no engenho. Ele mostra ao Estado um antigo gerador de energia, símbolo da importância do lugar nas vésperas do golpe militar. O motor foi um presente do então promotor de Massachusetts Edward Kennedy, que visitou o engenho em julho de 1961 a pedido do irmão, o presidente John Kennedy. Ted, o caçula do clã Kennedy, fez perguntas e ouviu relatos para elaborar um dossiê sobre as Ligas.

Com a Revolução Cubana, a zona dos canaviais passou a ser uma preocupação dos Estados Unidos. O movimento camponês daquele começo dos 1960, que tinha por líder o advogado e depois deputado federal Francisco Julião, logo foi chamado pela imprensa de Ligas Camponesas, mesmo nome de um que existiu na década de 1940 organizado pelo PCB.

 

Quando Ted Kennedy chegou ao Galileia, Julião e moradores do engenho já tinham feito viagens a Havana, para encontros com Fidel Castro. Zito conta que o motor de energia nunca funcionou, porque o "pessoal" não tinha dinheiro para fazer as ligações até as casas.

 

Horas após o golpe, soldados entraram nos casebres de sapé do Galileia e reviraram colchões, camas e baús, em meio ao choro de mulheres e crianças. Os homens estavam na mata em volta do engenho. Para lá foram alguns soldados, com cães farejadores. Os soldados arrastaram Zito para apontar o esconderijo dos adultos. O velho José Daniel, um dos líderes da comunidade, não aguentou o esconderijo e voltou. Ele apanhou na frente das crianças. "Diziam que os galileus, como chamavam os moradores, tinham enterrado armas de Cuba", relata Zito. "De dez em dez metros tinha um militar cavando. Mas só acharam foices e enxadas."

 

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João Virgínio, tio de Zito, ficou escondido no mato até 15 de abril. Passou seis anos na prisão. O motorista Rosário também se rendeu. Ele e outros eram personagens de Cabra Marcado para Morrer, documentário de Eduardo Coutinho. A equipe do cineasta estava no Galileia no momento do cerco. "O Galileia tem um simbolismo grande, pois ali começou uma nova concepção de luta camponesa que era diferente da do PCB", observa Gilney Viana, que coordena um grupo de memória na Secretaria de Direitos Humanos. "Julião iniciava um movimento de massa."

 

"Nos canaviais era tempo da Idade Média", avalia o antropólogo Anacleto Julião, filho do líder das Ligas. "As leis trabalhistas valiam para a cidade e não para o campo."

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