General que criticou Comissão da Verdade pode ser afastado

Nelson Jobim decidiu pedir o afastamento após a divulgação de nota com críticas à iniciativa do governo

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Por Rafael Moraes Moura , Tania Monteiro e da Agência Estado
Atualização:

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, pediu nesta quarta-feira, 10, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a exoneração de um general de quatro estrelas envolvido numa polêmica sobre a Comissão da Verdade, grupo criado por decreto presidencial que irá investigar crimes contra os direitos humanos no período da ditadura.

 

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De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta quarta, o chefe do Departamento Geral do Pessoal do Exército, general Maynard Marques de Santa Rosa, seria o responsável por uma nota em que afirma que a comissão será formada por "fanáticos" e se transformaria em uma "comissão de calúnia".

 

"Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa", afirma o general.

 

De acordo com nota divulgada na tarde desta quarta-feira pelo Ministério da Defesa, ao ser contato por Jobim, o Comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, esclareceu que a nota era uma "correspondência pessoal do referido Oficial-general indevidamente propagada pela Internet, sendo, portanto, uma opinião particular".

 

Mas, depois de conversar com o general Enzo, Jobim decidiu pelo afastamento do general Santa Rosa, que entraria para a reserva em março. O ministro considera que o oficial quebrou a hierarquia militar ao distribuir as manifestações.

 

A nota do Ministério da Defesa confirma o pedido de Jobim, e esclarece que, inicialmente, o ministro havia pedido a exoneração de Santa Rosa "do cargo de Chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Comando do Exército, ficando adido ao Gabinete do Comandante do Exército".

 

Entretanto, ainda segundo o informe, após ser contatado por Jobim e avaliar a dimensão do caso, o general Enzo "sugeriu que a providência solicitada pelo Ministro fosse a exoneração do Oficial-general, proposta aceita e imediatamente encaminhada à apreciação do Presidente da República". O ministério destaca que a Comissão da Verdade foi "criada por decreto presidencial após negociação entre vários ministérios, e com participação do Ministério da Defesa."

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Plano de Direitos Humanos

 

Santa Rosa é general de quatro estrelas (maior patente militar) e faz parte do Alto Comando do Exército. Já se envolveu em pelo menos dois outros conflitos com autoridades civis durante o governo Lula. Em 2007, discordou das negociações para a reserva indígena Raposa/Serra do Sol e foi afastado da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais de Defesa pelo ministro Jobim. Em 2009, assinou nota com outros dois generais da ativa criticando a Estratégia Nacional de Defesa e o novo organograma das Forças Armadas.

 

A criação da Comissão da Verdade faz parte das propostas contidas no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), elaborado pelo secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. A divulgação do PNDH-3, no fim de 2009, gerou uma crise entre a cúpula do governo, o Ministério da Defesa e o comando das Forças Armadas. Os militares temiam que a proposta de criação de uma Comissão da Verdade para esclarecer casos de desaparecidos durante a ditadura militar teria um caráter "revanchista". Após pressão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e de militares, o texto do programa foi alterado e a expressão "repressão política" foi removido.

 

O texto de Mayanard criticando a Comissão da Verdade foi reproduzido em blogs de militares e outros sites. Leia abaixo a íntegra:

 

"A verdade é o apanágio do pensamento, o ideal da filosofia, a base fundamental da ciência. Absoluta, transcende opiniões e consensos, e não admite incertezas.

 

A busca do conhecimento verdadeiro é o objetivo do método científico. No memorável “Discurso sobre o Método”, René Descartes, pai do racionalismo francês, alertou sobre as ameaças à isenção dos julgamentos, ao afirmar que “a precipitação e a prevenção são os maiores inimigos da verdade”.

 

A opinião ideológica é antes de tudo dogmática, por vício de origem. Por isso, as mentes ideológicas tendem naturalmente ao fanatismo. Estudando o assunto, o filósofo Friedrich Nietszche concluiu que “as opiniões são mais perigosas para a verdade do que as mentiras”.

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Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa.

A História da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar trinta mil vítimas por ano no reino da Espanha.

 

A “Comissão da Verdade” de que trata o Decreto de 13 de janeiro de 2010, certamente, será composta dos mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o seqüestro de inocentes e o assalto a bancos, como meio de combate ao regime, para alcançar o poder.

 

Infensa à isenção necessária ao trato de assunto tão sensível, será uma fonte de desarmonia a revolver e ativar a cinza das paixões que a lei da anistia sepultou.

 

Portanto, essa excêntrica comissão, incapaz por origem de encontrar a verdade, será, no máximo, uma “Comissão da Calúnia”.

 

Gen Ex Maynard Marques de Santa Rosa"

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