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Generais lutam para blindar orçamento da Defesa dos cortes de Guedes

Militares querem mostrar ao Congresso importância da medida que inclui a Ciência e Tecnologia, mas exclui a Educação

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

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Há décadas os militares tentam conscientizar o mundo civil sobre a importância da defesa nacional. Desgraçadamente o tema é confundido com o simples lobby por verbas para projetos, como o do caça Gripen, que consumirá R$ 16,8 bilhões do Tesouro até 2026. Ou se vê neles apenas planos belicistas para aumentar a projeção do poder nacional.

É por isso que deve ser debatida - e causará polêmica - a decisão do governo de Jair Bolsonaro de, pela primeira vez em anos, blindar de cortes os investimentos do orçamento do Ministério da Defesa. Chefiada por um general, a pasta terá o mesmo tratamento dado à Ciência e Tecnologia. Nenhum tostão dali poderá ser contingenciado pelas mãos de tesoura do ministro Paulo Guedes.

O presidente eleito Jair Bolsonaro, durante evento formatura de batalhão de paraquedistas, em novembro Foto: Fernando Souza/AFP

A equipe de Guedes não teria gostado da decisão do chefe. É possível que nunca tenha lido Paz e Guerra entre as Nações, de Raymond Aron. O francês escreve que a política internacional sempre foi reconhecida pelo que de fato é: uma política de poder. “Exceto, em nossa época, por alguns juristas embriagados com ideias ou alguns idealistas que confundem sonhos com realidade.” Contingenciar verbas da Defesa seria condenar o País, em área vital à soberania, ao atraso tecnológico. Algo como cortar dinheiro da Educação. Pior. O que nasce do esforço estatal na Defesa costuma dar frutos imensos em outras áreas.

Aos que desejam reservar aos economistas a proeminência nas decisões de governo, é bom lembrar como Aron enfrentou Oskar Morgenstein, o austríaco célebre pela teoria dos jogos. As queixas do economista sobre a ciência política fizeram Aron afirmar estar diante do que chamou de "confusão da profundidade e de ingenuidade característica de certos espíritos científicos, quando se debruçam sobre problemas que não estão relacionados com sua disciplina”. Tinha razão. Não era fácil bater em Aron e ficar de pé.

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Depois de aprovar a reforma da Previdência dos militares, os generais sabem que têm agora a tarefa de convencer o Congresso para manter a blindagem dos investimentos em Defesa. Eles dizem que sem isso não há como dar segurança a quem decide participar de projetos de longo prazo da área. São os casos da construção de submarinos e corvetas da Marinha, dos blindados Guarani e lançadores de foguete Astro do Exército e do caça Gripen e do cargueiro KC-390 da FAB. Mas não só. A lista inclui ampliar a estrutura de guerra cibernética e o míssil de cruzeiro nacional.

“Isso é investimento. A única forma de reter talentos por trás desses projetos no Brasil é executar os projetos. Não é salário”, disse um general da ativa. Nenhuma novidade nas ideias do general. Basta ler a Estratégia Nacional de Defesa, criada em 2008 pelos então ministros Nelson Jobim (Defesa) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) e definida como inovadora pelo cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira.

Lutar pelos investimentos na área não faz deles e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o que os italianos chamam de guerrafondaio e os ingleses de warmonger, que em português recebe o tom respeitoso da palavra belicista. O ministro cumpre seu papel. Seu belicoso chefe, no entanto, justificou o projeto de Orçamento afirmando que o atual governo é o único a respeitar as Forças Armadas. Tenta transformar a obrigação em virtude. É um político, em suma.

O presidente gosta de citar a Bíblia para explicar suas decisões. Diante de algumas de suas assertivas, um religioso poderia citar Eclesiastes 7, 13. “Quem pode endireitar o que Ele fez torto?” É verdade que a passagem prossegue, dizendo que não se deve querer adivinhar o futuro. O governo, portanto, pode dar certo por linhas tortas. Sendo assim, diriam os bolsonaristas, deixem o presidente trabalhar.

De fato. Mas é melhor ouvir "a repreensão dos sábios do que a canção dos tolos". Voltemos pois a Raymond Aron. O francês dizia que a a humanidade aspirava a uma conversão histórica dos Estados e de suas relações para, dessa forma, pôr fim aos conflitos sangrentos. Trata-se de uma pretensão que “tem precedentes e que não é universal, pois não faltam fanáticos que colocam a vitória de sua ideologia acima de tudo”. Para Aron, fanático era quem desejava vencer a guerra sem se importar com os custos. A turma do gabinete do ódio também não o leu...

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Aron escreveu sua obra pouco antes do fim da guerra fria. Pensou que a humanidade, talvez, pudesse - diante do Armagedom termonuclear - obter a paz pela lei, uma aspiração de milhões de indivíduos. Quais seriam hoje as condições para que a política entre os Estados deixe de ser uma política de poder, abandonando a sombra da guerra? Qual ainda a probabilidade de essas condições se tornarem realidade no futuro próximo ou distante diante de novos nacionalismos e guerras comerciais?

Até que a humanidade tenha respostas para essas perguntas, a nenhum país será permitido descurar de suas defesas militares, atirando pela janela a credibilidade de seu poder dissuasório contra ameaças à soberania. Enfim, para dissuadir é preciso estar preparado para combater. Bolsonaro acerta ao blindar o orçamento da Defesa e da Ciência e Tecnologia. Devia fazer o mesmo na Educação. E endireitar o que nasceu torto em seu governo.

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